Arquivos da categoria: cinema

Artes Plásticas

A imagem em movimento

21 junho, 2018 | Por Isabela Gaglianone

Índio norte-americano hopi, fotografado em meio ao ritual da dança da serpente

“Nosso reino é o do entre-dois” [1]

O comentário de Philippe-Alain Michaud sobre a obra, a vida e as ressonâncias da “história de arte sem palavras” de Warburg é vertiginoso desde o título e, justamente, pelo ponto de vista que ele imediatamente esclarece: Aby Warburg e a imagem em movimento. O movimento como tópica da análise contorce-se como as serpentes do Laocoonte ou dos índios pueblos: é metafórico e literal, geográfico e histórico, diz respeito aos movimentos de expressão e de orientação do homem no mundo, culturais ou religiosos. A considerar a estrutura do livro, Michaud traça um roteiro e movimenta-se geograficamente, nomeando seus capítulos à guisa dos lugares que foram cenário para os estudos de Warburg e por ele visitados. Nova York, Florença, Hamburgo, Novo México: se a simples justaposição dos nomes dos lugares já suscita um deslocamento cartográfico desde o sumário, o autor ainda desdobra em distintos escopos a ideia de movimento com os predicados dos títulos: “Nova York: o palco cinematográfico”, por exemplo. Também são “palco”, respectivamente “teatral” e “da história da arte”, Florença e Hamburgo. Florença é ainda “circulação dos corpos móveis” e “espaço da pintura”, em capítulos em que Michaud segue a interpretação de Warburg a respeito das rupturas na transmissão das formas na pintura do Quattrocento: mote warburguiano desde a análise das obras de Botticelli, sob a representação do movimento na arte renascentista sobrevive o indício de um movimento cultural mais profundo, a saber, a mistura de diferentes níveis de cultura, de referências mitológicas permeadas “ao tecido da vida cotidiana”[2], mistura complexa e tensa que é fruto paradoxal de um movimento de aproximação e de distorção da Antiguidade e que revela pathos primordiais da natureza expressiva humana. A interpretação de Warburg sobre os pintores renascentistas desemboca, como mostra Michaud, baseado em anotações dos Bruchstücke[3], em outro movimento, concomitante, no sujeito – tanto enquanto entrada do sujeito individual nas pinturas através da arte do retrato, quanto do sujeito que é expectador e que concatena uma sequência de imagens, movimento interpretativo a que Warburg chama “perda da contemplação serena”[4].
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O poeta entre crônicas e críticas

9 maio, 2016 | Por Isabela Gaglianone

cena de “O Encouraçado Potemkin”

Guilherme de Almeida (1890-1969), além de poeta modernista, ensaísta, tradutor e jornalista, foi um dos mais destacados críticos de cinema no Brasil.

A editora Unesp acaba de lançar a reunião deste trabalho crítico, no volume Cinematographos – Antologia da crítica cinematográfica, cuidadosa edição organizada por Donny Correia e Marcelo Tápia.

A crítica cinematográfica é uma vertente hoje quase desconhecida da produção do poeta. Neste volume, ela é representada por 218 textos, publicados entre 1926 e 1942 no jornal O Estado de S. Paulo. Através deles, revive-ase o período de transição entre o cinema mudo e a “arte do movimento silencioso” e o filme falado. Também perpassa-se a fecunda presença dos cinemas em São Paulo nas primeiras décadas do século XX e sua introdução enquanto relevante elemento do cotidiano cultural da cidade.

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Olhar imaginário

8 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“ […] exprimir a significação a um só tempo concreta e essencial do mundo” – Bazin, “Ontologia da Imagem Fotográfica”.

Cena de "Da janela do meu quarto", de Cao Guimarães.

Cena de “Da janela do meu quarto”, de Cao Guimarães.

Cao é o primeiro livro a reunir em que o artista e cineasta Cao Guimarães trata do conjunto da sua obra. Neste volume, ele repassa de maneira intensa seu arquivo fotográfico, para construir uma nova leitura do seu próprio trabalho. O resultado é muito interessante, sobretudo porque sem som ou movimento, sua fotografia, acostumada aos filmes, ganha um novo valor; a sequência das páginas confere um ritmo inusitado às obras, interligando-as dentro uma nova narrativa.

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Contemporâneo

4 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Os primeiros historiadores do cinema escreviam com a emoção de contemporâneos do nascimento de uma nova arte. Não somos propriamente testemunhas de sua morte, mas assistimos ao fim da conjuntura que acondicionou. Estamos na situação privilegiada de espectadores e personagens de um encerramento. Houve nascimento, desenvolvimento e morte de um cinema e seu público”.

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O cinema no século, de Paulo Emílio Sales Gomes, traz uma coletânea de artigos sobre clássicos do cinema. Muitos dos textos aqui reunidos foram escritos para uma possível programação da então  inciante Cinemateca Brasileira, cuja implantação foi fruto da concepção e do trabalho de Paulo Emílio.

O último capítulo traz reflexões gerais sobre o encantamento que o cinema exerceu no século XX e sobre sua tão inevitável quanto libertadora decadência. Ao longo dos outros ensaios, alguns dos cineastas que tem nesses seus trabalhos analisados são Sergei Eisenstein, Charles Chaplin, D. W. Griffith, Orson Welles, Federico Fellini e Jean Renoir. Os textos de Paulo Emílio são dotados de interpretações lúcidas e não só interessantes, como verdadeiramente esclarecedoras.  Continue lendo

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Escritos de cineastas brasileiros

19 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O cinema é uma arte que sintetiza qualidades plásticas e cênicas, por um lado, literárias e críticas, por outro. Sobre esse segundo aspecto repousam as reflexões profundas daqueles que fazem de suas expressões cinematográficas o resultado de suas impressões e opiniões sobre o mundo e o tempo em que vivem. Os escritos dos cineastas em geral possuem um interesse por revelarem o cerne das ideias que suas imagens mostram, de maneiras complexas e, por isso, muitas vezes de compreensão geral sutil.

 

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Milton Ohata (org.), “Eduardo Coutinho”

O livro Eduardo Coutinho, organizado Milton Ohata, reúne dois ensaios e dez entrevistas, além de dezenas de textos de crítica escritos por Eduardo Coutinho para o Jornal do Brasil entre os anos de 1973 e 74. A segunda parte do livro é dedicada a depoimentos de colaboradores que contam suas experiências de trabalho com o diretor. A terceira parte do livro é uma coletânea de resenhas de época, bem como de textos, todos inéditos, sobre a filmografia de Coutinho, escritos por cineastas e críticos de diversas gerações.

A compilação foi concebida para contemplar diferentes áreas de interesse, quer para quem queira conhecer como Coutinho pensava o próprio trabalho, para quem deseja acompanhar a construção de seu raciocínio cinematográfico, também para quem tem curiosidade sobre os filmes e seus bastidores. Segundo comentário do organizador, o conjunto dos textos mostra a experiência de Coutinho como espectador, e como essa experiência nunca dissociou-se da experiência enquanto cineasta. Segundo Ohata, “seus textos de crítica mostram quão armado ele estava para realizar bem”.

Numa entrevista, concedida em julho de 2009, Coutinho disse: “O meu cinema se interessa pelo que é precário. É um cinema que fala sobre o que é fazer cinema. Meu cinema não é heroico nem tem heróis. Muitos dizem que eu abandonei a política, que não faço cinema político. Eu sempre odiei o cinema militante”. Já em um catálogo, para o Festival Cinéma du Réel, em 1992, analisou: “Creio que a principal virtude de um documentarista é a de estar aberto ao outro, a ponto de passar a impressão, aliás verdadeira, de que o interlocutor, em última análise, sempre tem razão. Ou suas razões. Esta é uma regra de suprema humildade, que deve ser exercida com muito rigor e da qual se pode tirar um imenso orgulho”.

O livro foi feito 2013, em homenagem ao cineasta, em comemoração aos seus 80 anos de idade. Eduardo Coutinho é considerado o maior documentarista brasileiro da história.

 

 

imaginario nas ciencias sociais

João Moreira Salles, “A dificuldade do documentário”, in: Cornelia Eckert, Jose de Souza Martins, Sylvia Caiuby Novaes (orgs.), “O imaginário e o poético nas Ciências Sociais”

João Moreira Salles é conhecido como um dos principais documentaristas brasileiros. Em “A dificuldade do documentário”, texto publicado na coletânea O imaginário e o poético nas ciências sociais, organizada por José de Souza Martins, Cornelia Eckert e Sylvia Caiuby Novaes, o cineasta reflete sobre a complexidade da expressão visual no filme documentário. O artigo esmiúça os sentidos latentes à forma cinematográfica documental, levantando questões sobre a possibilidade de encenação, sobre o compromisso com a verdade, sobre o que seja a realidade e sobre o pacto que se instaura entre espectador, diretor e personagem. Segundo ele, mais do que manipular estratégias narrativas, o que determina que um filme seja um documentário é a maneira pela qual o filme é visto.

Moreira Salles inicia seu artigo expondo a natureza da dificuldade do documentário: “Num primeiro exame, verificamos que o documentário não é uma coisa só, mas muitas”. Não conta com uma convenção estilística, nem segue padrões narrativos relativamente homogêneos; na verdade, “em princípio, tudo pode ou não ser documentário, dependendo do ponto de vista do espectador”. Segundo ele, a “compreensão não-ficcional nos permite perceber o que há de indicial em toda imagem, até mesmo naquelas que pertencem ao campo da ficção. Já o artefato não-ficcional — e o documentário certamente é um deles — independe dos usos individuais que se façam dele. Ele é uma convenção, um fenômeno social”. Não se trata, porém, de arqueologia ou antropologia, o documentário é antes resultado de imaginação: “Ele não descreve; constrói” – guiados por uma necessidade interna, pois “para um documentarista, a realidade que interessa é aquela construída pela imaginação autoral, expressa tanto no momento da filmagem como no processo posterior de montagem”.

 

 

neves

David E. Neves, “Telégrafo visual”

Telégrafo visual – crítica amável de cinema reúne quase uma centena de textos raros, muitos inclusive inéditos, de David E. Neves (1938-1994), crítico que tornou-se diretor e figura considerada de relevância central na construção do Cinema Novo. Organizados por Carlos Augusto Calil, são textos escritos entre 1957 e 1990, que, com sua crítica aguda, tratam do cinema, bem como de suas relações com literatura, música, fotografia, política, cultura. Ao longo dos escritos, Neves apresenta o Cinema Novo visto de seu âmago e sob seu olhar apurado e exigente. Como crítico, ele realizou uma verdadeira militância pela discussão e desenvolvimento do movimento cinematográfico vanguardista brasileiro.

Discípulo de Paulo Emílio Sales Gomes, desenvolveu uma crítica que se colocava como diálogo: apesar de militante, longe de ser sentenciosa, é tida como uma crítica esparsa com toques de brilhantismo analítico – segundo o crítico José Geraldo Couto: “por exemplo, a definição de Antonioni como “o primeiro eremita urbano”. Outras observações importantes e originais do crítico dizem respeito à persistência de elementos da chanchada em certos filmes de Nelson Pereira dos Santos ou à simplificação radical que os cineastas “underground” teriam feito de princípios estéticos do Cinema Novo. São ideias apenas esboçadas, mas que poderiam suscitar teses inteiras”.

Como diretor, seus filmes mais conhecidos são Memória de Helena (1969) e Muito prazer (1979).

 

 

água

Eduardo Escorel, “Adivinhadores de água”

Eduardo Escorel, em Adivinhadores de água, afirma a necessidade do diferente e do nacional, desprezando a imagem globalizada e comercial em favor de “núcleos isolados de criatividade e talento”, que, segundo ele, seriam capazes de manter a continuidade histórica de um cinema genuinamente brasileiro.

Sua crítica nacionalista alinha-se a Mário de Andrade e Paulo Emílio Salles Gomes. Escorel faz a leitura da obra de amigos que tornaram-se mestres, como Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman e, mais recentemente, diretores como Tata Amaral, Lírio Ferreira e Paulo Caldas.

O título do livro alude ao caso de um homem que adivinhava, no sertão, lugares para cavar poços para encontrar água: Escorel faz dele metáfora para pensar o cinema nacional. Adivinhadores de água reúne artigos esparsos, de uma intelectualidade exigente para analisar os rumos do documentário ou, por exemplo, comentar as relações entre literatura e cinema.

Um pensamento franco, que traça panoramas conjunturais. Uma de suas definições sobre o programa para o cinema brasileiro é: “Um cinema que aspira conquistar sua própria autonomia deve aceitar que não tem modelos a seguir e procurar criar sua própria saída”.

Sua produção cinematográfica é marcada principalmente pela direção de “Lição de Amor” e “Ato de Violência” e pela montagem “O Padre e a Moça”, “Terra em Transe”, “Macunaíma” e “São Bernardo”.

 

 

glauber

Glauber Rocha, “Revolução do cinema novo”

Da coleção Glauberiana, preparada pela CosacNaify há já mais de uma década, só resta disponível este fascinante Revolução do cinema novo. A proposta da coleção foi reeditar toda a obra crítica e literária de Glauber Rocha (1939-1981). Com coordenação editorial de Augusto Massi e Ismail Xavier, foram publicados três volumes.

Revolução do cinema novo, escrito pelo diretor após a finalização de A idade da Terra, seu último longa-metragem, em 1980, é considerado uma obra testamento. O livro é dividido em duas partes distintas. A primeira reúne artigos publicados ao longo dos anos anteriores e retoma debates e entrevistas. Nela, estão incluídos textos fundamentais como o célebre artigo “Eztetyka da fome”, síntese sobre o cinema novo aos europeus, apresentado na Retrospectiva do Cinema Latino-Americano, em Gênova, em 1965 e “Eztetyka do Sonho”, de 1971. A segunda parte apresenta reflexões e notas biográficas escritas em 1980, uma “memória afetiva” que se refere diretamente a personagens da vida cultural da época. Os textos passaram por rigorosa revisão e incluiu-se um índice onomástico. Com prefácio do autor inédito em livro e artigo de Cacá Diegues escrito à época do cinema novo, a edição é totalmente ilustrada.

“Dispensando a introdução afirmativa que se tem transformado na característica geral das discussões sobre América Latina, prefiro situar as relações entre nossa cultura e a cultura civilizada em termos menos reduzidos do que aqueles que, também, caracterizam a análise do observador europeu. Assim, enquanto a América Latina lamenta suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cultiva o sabor dessa miséria, não como sintoma trágico, mas apenas como um dado formal em seu campo de interesse. Nem o latino comunica sua verdadeira miséria ao homem civilizado nem o homem civilizado compreende verdadeiramente a miséria do latino” [trecho de Estética da Fome – ou Estétyka da Fome, conforme grafia de Glauber Rocha]

 

 

O estilo narrativo do cinema dialoga com o estilo interpretativo do texto. De maneiras complementares, ambos decifram a contingência da vida, sintetizam ideias, identidades. Mais do que meramente documentais, os textos por si mesmos interessantes, obras de criadores que, como a sétima arte exige, combinam percepções abrangentes e plurivalentes.

 

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Cinema de conversação

4 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Tento fazer filmes em que tenho perguntas a colocar e vou tentar saber quais são as respostas fazendo o filme. Geralmente o filme, quando dá certo, não termina com uma resposta-síntese” – Eduardo Coutinho.

cena do filme “Cabra marcado para morrer”

O livro Eduardo Coutinho, organizado Milton Ohata, reúne dois ensaios e dez entrevistas, além de dezenas de textos de crítica escritos por Eduardo Coutinho para o Jornal do Brasil entre os anos de 1973 e 74. A segunda parte do livro é dedicada a depoimentos de colaboradores que contam suas experiências de trabalho com o diretor. A terceira parte do livro é uma coletânea de resenhas de época, bem como de textos, todos inéditos, sobre a filmografia de Coutinho, escritos por cineastas e críticos de diversas gerações.

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1914 e a pungente melancolia da decadência

5 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Luzes da ribalta, o livro de Charles Chaplin que inspirou o seu filme homônimo acaba de ganhar tradução no Brasil, feita por Henrique B. Szolnoky, na edição da Companhia das Letras. (O filme e o livro são homônimos apenas na tradução, o título original da novela é Footlights, ao passo que o do roteiro é Limelight).

Sentimental, entrelaçado por fios de drama e de comédia, trata-se de um belo filme sobre a melancolia da derrocada humana. Estreou em 16 de maio de 1952, em Londres. Seu roteiro foi intelectualmente concebido em 1916, quando, então já astro de Hollywood, Chaplin foi visitado pelo bailarino russo Vaslav Nijinsky. Profundamente impressionado pela figura mítica de Nijinsky, que, pouco tempo depois, seria diagnosticado como esquizofrênico e abandonaria a dança, Chaplin teria ali tido o impulso criativo da concepção de uma história sobre a decadência, artística e física, de um bailarino.

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Aos cinéfilos

17 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro A arte do cinema é um estudo de grandioso fôlego intelectual. Marcado pela erudição da análise dos autores, David Bordwell e Kristin Thompson, é considerado já um dos estudos canônicos de cinema, desde sua primeira publicação, em 1979. As, até hoje, ininterruptas reedições fazem com que o livro perdure inalteravelmente relevante.

Trata-se de uma profunda e respeitável introdução e análise da sétima arte, abordando uma vasta gama de exemplos, de vários períodos e países. O livro propõe-se a oferecer as ferramentas para que estudantes de cinema e jovens críticos possam desenvolver o repertório e as habilidades para compreenderem quaisquer filmes, de quaisquer gêneros. A obra é impressionante pela extensão da formação cinéfila de Bordwell e Thompson. Seu tratamento da arte do cinema apresenta-o como todo orgânico e abrange-o como embasamento a uma introdução à própria ciência do olhar.

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Obra testamento

4 julho, 2014 | Por Isabela Gaglianone

[…] A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida”. – Glauber Rocha, “Eztetyka da fome”.

cena do filme “Terra em transe”

Da coleção Glauberiana, preparada pela CosacNaify há exata década, só resta disponível este fascinante Revolução do cinema novo. A proposta da coleção foi reeditar toda a obra crítica e literária de Glauber Rocha (1939-1981). Com coordenação editorial de Augusto Massi e Ismail Xavier, foram publicados três volumes: Revisão crítica do cinema brasileiro, Revolução do cinema novo, O século do cinema.

Revolução do cinema novo, escrito pelo diretor após a finalização de A idade da Terra, seu último longa-metragem, em 1980, é considerado uma obra testamento. O livro é dividido em duas partes distintas. A primeira reúne artigos publicados ao longo dos anos anteriores e retoma debates e entrevistas. Nela, estão incluídos textos fundamentais como o célebre artigo “Eztetyka da fome”, síntese sobre o cinema novo aos europeus, apresentado na Retrospectiva do Cinema Latino-Americano, em Gênova, em 1965 e “Eztetyka do Sonho”, de 1971.  Continue lendo

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Sondagens, exploração, sobrevôos

22 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

cena de “Ladri di Biciclette”, de Vittorino de Sica

Lançamento de hoje, o livro O que é o cinema?, de André Bazin, traz uma coletânea de ensaios fundamentais, não só sobre questões do cinema em si e de sua história, mas articulando-as a suas relações com a filosofia, com a própria ideia de representação, com fotografia, teatro e literatura. Bazin tece uma crítica versátil, clara e instigante. Seus ensaios são reflexões estimulantes, que transitam da escola italiana e soviética ao universo do western e das pin-ups. Mas o autor adverte, o título “não é bem a promessa de resposta, mas antes o enunciado de um problema que o autor se colocará ao longo das páginas”.

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Entre sonhos e filmes

9 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O Instituto Moreira Salles e o Sesc organizaram em 2012 a exposição que gerou este belo catálogo: Tutto Fellini. A publicação traz fotografias de bastidores, desenhos, revistas e cartazes de época, buscando revelar o processo criativo do cineasta italiano Federico Fellini. Nem cronológico, nem filmográfico, o catálogo procura seguir as quatro linhas temáticas que balizaram a exposição: “cultura popular”, “Fellini em ação”, “a cidade das mulheres” e a “invenção biográfica”. Uma busca pelas obsessões do diretor, bem como por suas fontes de inspiração, explorando as suas diferentes facetas, quer como devorador onívoro de imagens, admirador das mulheres, crítico da sociedade, realizador enérgico, como criador profuso.

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Multifacetada metáfora analítica

26 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O recente mistério em torno do avião desaparecido da Malaysia Airlines retomou uma questão: que segredos pode conter a caixa preta de um avião que caiu? Os últimos “sinais vitais” do voo, antes de sua queda, os vestígios da catástrofe. O israelense Amós Oz aproveitou a forte imagem para usá-la como impactante metáfora – sua caixa preta não se refere a um avião, mas ao rompimento de uma relação amorosa em um divórcio escandaloso, permeado por paixões que beiram a loucura e cujos rastros prolongam-se presente adentro. A caixa-preta, porém, não é um livro a respeito do romance em torno do qual estrutura-se: este é, na realidade, somente o meio através do qual Amós Oz reflete sobre conflitos mais amplos e profundos: o complexo panorama social, religioso e político da vida em Israel nos últimos anos. A maneira astuciosa pela qual a história é construída permite com que ambos pontos de vista sejam explorados simultaneamente. Um romance político, desenvolvido como uma proposta polifônica. Continue lendo

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A enorme carga dos sonhos

13 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um visionário cuja obsessão é construir uma casa de ópera no coração da floresta amazônica: a cena clássica é a transposição de um pequeno navio montanha acima. O cinema de Herzog é inconfundivelmente poético. Seu lirismo é metafórico, de maneira extravagante, porém precisa.

Fitzcarraldo é a história de um sonho, de sua impossibilidade e de sua realização. Drama que as próprias filmagens reverberaram, em si mesmas, na sua intimidade. A conquista do inútil é o diário que Werner Herzog manteve durante as filmagens, Continue lendo

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Cinema político e poético

4 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia: Abbas Kiarostami

Reeditado no final do ano passado, o livro Abbas Kiarostami é a primeira publicação no Brasil consagrada ao diretor iraniano. O volume reúne mais de cinquenta fotos realizadas no Norte do Irã, três textos de autoria do próprio Abbas Kiarostami, além da relação completa de sua filmografia, comentada. Os textos foram separados numa seção intitulada “Duas ou três coisas que sei de mim”, que compreende: “Fotografia e natureza”, no qual o diretor fala sobre sua atividade fotográfica, sobre suas concepções sobre a arte do enquadramento e sobre a paixão pela natureza; “No trabalho”, uma autobiografia, desde a fundação do departamento cinematográfico estatal Kanun até a concepção de seus longas-metragens; “Uma boa boa cidadã”, crônica emocionante sobre a “perseguição” do cineasta a uma menina de rua na Avenida Paulista, que remexe as lixeiras à procura de comida; e, por fim, quatro poemas inéditos.

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Livro-roteiro

24 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O palhaço, escrito por Selton Mello e Marcelo Vindicatto, é um dos poucos roteiros cinematográficos publicados no mercado editorial brasileiro. O roteiro do filme foi publicado pela editora Ouro sobre Azul com “a intenção de contribuir para uma mudança de expectativa tornando permanente aquilo que é efêmero, dando ao leitor recursos para compreender melhor o processo de trabalho em cinema”. Como diz o coautor Selton Mello, na publicação do roteiro o intuito foi “eternizar o roteiro como ele é, sem as alterações que aconteceram nos ensaios ou na montagem. Assim, o leitor mais atento vai perceber o que foi cortado, o que foi mudado de lugar na hora da finalização”.

O filme foi escolhido para representar o Brasil na premiação do Oscar em 2013, concorrendo na categoria de melhor filme estrangeiro. Foi vencedor em doze categorias do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, entre as quais, “Roteiro Original”, para Marcelo Vindicatto e Selton Mello, “Ator Coadjuvante” para Paulo José e “Ator e Diretor”, para Selton Mello. O filme também venceu os prêmios de Melhor Filme e de Fotografia do 38º Festival SESC Melhores Filmes de 2011.

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