Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

Artes Plásticas

Melodia

19 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Paul Klee foi um artista revolucionário. Suas obras possuem um humor seco, ao mesmo tempo inventivo e também mágico, que, aliado à perspectiva abstrata, as preenchem com uma singular musicalidade. Seu trabalho penetra o inconsciente, a infância, é singularmente lúdico, desvenda a absoluta subjetividade da arte. Seu objetivo não era representar, mas visualizar: evitando a mera transposição, para a formalidade de uma linguagem, daquilo que se traduz em fenômeno na realidade, substituiu com refinamento gráfico único a compreensão dos objetos em sua consistência maciça pela materialidade ambígua do signo, frágil e incorpórea. A imagem, em seu trabalho, transmite-se em sua subjetividade absoluta.

O crítico de arte Giulio Carlo Argan, no livro Arte moderna, analisa: “[…] inteiramente dedicado a perscrutar as profundezas do ser para captar as raízes primeiras e mais secretas da consciência, Klee nunca sucumbe à vertigem […]. Não traduz a imagem em conceito, o que equivaleria a destruí-la; limita-se a torna-la visível, pois a percepção já é consciência”.

Tão talentoso quanto pintor, Klee também o foi enquanto músico. E é sobretudo interessante o entroncamento único, entre música e pintura, por ele desenvolvido e que representa a tônica de sua fabulosa expressão artística. Violinista, transformou sua leitura dos ritmos e estruturas musicais em arte abstrata Continue lendo

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Poética do real

18 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A portuguesa Adília Lopes é uma das poetas de maior destaque hoje em seu país. Já foi traduzida para diversos idiomas e, no Brasil, as editoras 7 Letras e Cosacnaify, em coedição, publicaram a Antologia, seleção de poemas organizada pelo poeta Carlito Azevedo, que contém poemas desde seus primeiros livros, O poeta de Pondichéry, de 1986, e O decote da dama de espadas, de 1988, até trabalhos mais recentes, como Florbela Espanca espanca, de 1999, e O regresso de Chamilly, publicado em 2000. A edição brasileira conta também com posfácio de Flora Süssekind.

A poesia de Adília é pontuada por um humor irônico, através do qual seus versos encontram situações corriqueiras e cotidianas. Ela diz, sobre sua poesia: “Há sempre uma grande carga de violência, de dor, de seriedade e de santidade naquilo que escrevo”.

Eucanaã Ferraz, na bela resenha ao livro Antologia – texto intitulado “De monstros e monstruosidades” –, analisa: “O universo absolutamente trivial dos versos guarda qualquer coisa de artificial, de antinatural: há sempre uma ordem estabelecida – moral, estética, comportamental – que soa “estranha”. Disposições e arranjos sociais mostram-se em precário equilíbrio, e quando se desagregam substancialmente logo tudo se reorganiza e restaura, pouco importando a que preço. […] A banalidade e o absurdo equivalem-se numa espécie de esvaziamento entre o cínico e o sádico […]. O grotesco, na poesia de Adília Lopes, recusa o fantástico: o real é a grade perversa que os poemas nos impõem, da qual não nos libertamos nem na forma nem no conteúdo”.

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Literatura

Buzina modernista

17 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A revista modernista Klaxon acaba de ganhar uma edição comemorativa pela Cosacnaify, em homenagem aos noventa anos de sua última publicação. A revista foi publicada entre 1922 e 1923, em sequência à Semana de Arte Moderna. A edição comemorativa apresenta uma versão fac-símile das edições originais e uma a mais, cujo projeto especial foi elaborado pelos artistas plásticos Marilá Dardot e Fabio Morais. Completa a reedição um livreto com textos dos organizadores e do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, autor do livro 1922 – A semana que não terminou, sobre o legado da Semana de Arte Moderna.

O nome Klaxon veio de uma então famosa marca norte-americana de buzinas em forma de corneta para automóveis e outros veículos. Na capa aparecia o subtítulo: Mensário de Arte Moderna. O propósito principal da revista foi servir como divulgação das ideias que permeavam o movimento modernista de maneira geral, uma concepção de que a arte não deve ser uma cópia da realidade, uma ânsia pela atualidade, por abolir o passado para viver o presente, ideias, num tom futurista, que giravam em torno de um culto ao progresso.  Continue lendo

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Literatura

Nas beiradas da existência

16 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

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Vencedora do Prêmio Nobel de literatura neste ano, a canadense Alice Munro é considerada “mestra do conto contemporâneo”. Segundo a Academia Sueca, as histórias de Alice “se desenvolvem geralmente em cidades pequenas, onde a luta por uma existência decente gera muitas vezes relações tensas e conflitos morais, ancorados nas diferenças geracionais ou de projetos de vida contraditórios”.

É interessante a premiação ter sido concedida a uma autora dedicada aos contos, que, comumente, são considerados mera etapa literária na carreira de um escritor, a ser superada na posterior escrita de um romance, um reles estágio experimental. A própria escritora, em entrevista à revista New Yorker, afirmou: “Por anos e anos imaginei que contos eram apenas um treino até eu ter tempo de escrever um romance”.  Continue lendo

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Literatura

O fato linguístico, nu

13 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

“Naquela quinta-feira de começante abril, meu sapiente amigo, mestre Martial Canterel, covidara-me, com alguns outros de seus íntimos, a visitar o imenso parque que rodeia sua bela vila de Montmorecy.

Locus Solus – a propriedade se chama assim – é um calmo refúgio onde Canterel gosta de levar adiante, com toda tranquilidade de espírito, seus múltiplos e fecundos trabalhos. Nesse lugar solitário, ele está protegido das agitações de Paris […]”.

Duchamp, frame de “Anemic cinema”

Acaba de ser lançado o livro Locus Solus, de Raymond Roussel, pela Cultura e Barbárie Editora. Pouco divulgada no Brasil, a obra do francês foi, entretanto, ponto de convergência de filósofos e críticos do século xx como suporte e inspiração para o desenvolvimento de questões ontológicas, epistemológicas e estéticas. Na literatura, a influência de Roussel estende-se do surrealismo ao “nouveau roman“. Conhecido por transformar as palavras em imagem, através de seus textos a linguagem separa-se de sua significação comum e atinge outros sentidos. Michel Foucault, no livro consagrado a Roussel – Raymond Roussel (a tradução em português, publicada em 1999 pela Forense Universitária, está indisponível) –, define que há uma linguagem circular nos textos rousselianos, nos quais ele exibe imagens e, em seguida, revela com precisão a história de cada uma delas, bem como seu funcionamento. De modo que há um ciclo, no qual a narrativa recupera a imagem inicial, que fora construída pela linguagem, e a explica. Para Foucault, a explicação repete o processo realizado pelas máquinas e o torna mais palpável e, os textos de Roussel, assim, podem ser considerados uma espécie de demonstração do poder da linguagem, através do qual máquinas e experimentos – existentes apenas através de palavras – tornam-se possíveis.

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Literatura

Exploração literária filosófica

12 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

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Benedito Nunes, filósofo e crítico literário, dedicou ensaios escritos ao longo de cinquenta anos à obra de Guimarães Rosa. O livro A Rosa o que é de Rosa, organizado por Victor Sales Pinheiro e publicado pela editora Difel, do grupo editorial Record, reúne quinze textos que cobrem quase toda a produção do escritor mineiro vistas sob a sempre enriquecedora análise de Benedito.

O Instituto Moreira Salles, na edição dos “Cadernos de Literatura Brasileira” dedicado a Guimarães Rosa, publicou o ensaio “Guimarães Rosa quase de cor: rememorações filosóficas e literárias”, disponível para visualização. Neste ensaio, Benedito logo avisa a seu leitor dar prosseguimento a uma conversa travada com Guimarães em fevereiro de 1967 num gabinete do antigo Itamaraty, no Rio de Janeiro, ocasião em que ele lhe entregara o volume datilografado de Tutaméia e pedira-lhe opinião sobre um dos prefácios, escrito à guisa de uma exploração filosófica, intitulado “Aletria e hermenêutica”. Benedito teria respondido-lhe que este título “defendia original convergência entre o imaginário e o reflexivo, o teórico e o poético” e que seria um “empreendimento tanto literário quanto filosófico”. No ensaio, ele aprofunda sua análise: “A primeira questão com a qual nos deparamos é a legitimidade, Continue lendo

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Literatura

Mecanismo de sonhos

11 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

O livro As Miniaturas, de Andréa del Fuego, é uma mistura de devaneio e sonho ao rigor das estruturas sóbrias e funcionais dos sistemas burocráticos, bem como às fendas interrogativas que podem ser geradas por equívocos nestes sistemas. Ironia lúdica, ou labirinto em que retumba a própria dimensão do onírico: a estrutura burocrática funcional do livro gira em torno de uma máquina de sonhos. A literatura fantástica de Andréa del Fuego joga com ecos da burocracia kafkaniana numa tonalidade lírica; devolve constantemente a dúvida sobre os limites da realidade.

Andréa venceu o prêmio José Saramago em 2011 com seu livro de estreia, Os Malaquias, sobre o qual ela disponibiliza alguns detalhes de seus “bastidores” em seu blog – um texto sincero, pessoal e comovente que Andréa escreveu a pedido do “ótimo” (sua definição) suplemento cultural “Pernambuco”, do Diário Oficial do Estado.

Antes de premiada, Andréa publicou o irreverente conto Como ganhar um Jabuti e então, nem sonhava ganhar prêmios literários Continue lendo

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Literatura

O testemunho de Czesław Miłosz

10 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Czesław Miłosz nasceu na Lituânia, em 1911, época em que o país pertencia ao Império Russo. Mudou-se de sua cidade de origem para completar seus estudos na cidade de Wilno, atual Vilnius, na Lituânia, que, então, era território polonês. Aos vinte e um anos, publicou seu primeiro livro de poemas, Poema sobre o tempo congelado (Poemat o czasie zastygłym). Não demorou a integrar o grupo de poetas conhecidos como “catastrofistas“, designação devida a previsões que as poesias faziam de iminentes desastres mundiais. Escrever, para Czesław Miłosz , deveria ser um ato político.

Durante a ocupação nazista na Polônia, ele participou ativamente do movimento de Resistência e, nesta época, editou, escreveu e traduziu textos clandestinos, dentre os quais permanece mais famoso seu poema Canção Invencível, publicado em 1942. Ao final da Segunda Guerra Mundial, uma coletânea de suas poesias intitulada Resgate, foi um dos primeiros livros publicados na Polônia comunista, em 1945. Pelos serviços prestados durante a Resistência, Czesław Miłosz  foi recompensado pelo novo governo comunista com cargos políticos, primeiro como adido cultural, em Washington e, em seguida, como primeiro-secretário para assuntos culturais, em Paris.

Desiludido com os rumos da política em seu país e com o regime comunista, em 1951 solicitou asilo na França e, nove anos mais tarde, emigrou para os Estados Unidos, tornou-se professor de literaturas eslavas na Universidade de Berkeley e continuou a escrever sobre a fragilidade, crueldade e a corruptibilidade humana. Em 1970, naturalizou-se norte-americano. Ainda vivendo na França, em 1953, publicara A mente cativa, uma coletânea de ensaios sobre a submissão dos intelectuais poloneses ao comunismo. Ao longo dos anos de exílio norte-americano, os textos de Czesław Miłosz foram traduzidos e seus poemas e ensaios atingiram sólido reconhecimento internacional. Em 1980, ganhou o prêmio Nobel de Literatura.

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Literatura

Uma barulhenta obra-prima

9 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A Companhia das Letras acaba de lançar, pelo selo que mantém em conjunto com a editora inglesa Penguin, os Contos da Cantuária, escritos por Geoffrey Chaucer, com tradução e notas de José Francisco Botelho, a partir da tradução, do inglês médio para o inglês moderno, feita por Nevill Coghill, também responsável pela introdução e por notas. A edição conta ainda com ensaio escrito pelo crítico Harold Bloom.

Contos da Cantuária é uma obra considerada das principais para a consolidação da língua inglesa como língua literária – em substituição ao francês e ao latim, à época ainda utilizados preferencialmente – e para a formação da literatura do Ocidente de maneira geral. Senão a principal. Ezra Pound, por exemplo, em seu livro O ABC da literatura, afirma: “Chaucer escreveu quando a Inglaterra fazia ainda parte da Europa. Havia uma só cultura de Ferrara a Paris, e ela se prolongava até a Inglaterra. Chaucer foi o maior poeta de seu tempo. Era mais conciso que Dante. […] A cultura de Chaucer era mais vasta que a de Dante; Petrarca é imensamente inferior a ambos. Não seria despropositado considerar Chaucer o pai das “litterae huamaniores” na Europa” (“apudVallias).

A obra de Chaucer consiste numa coleção de histórias de cavalaria, farsas e alegorias morais. Os contos expõem, com riqueza – através da crueza satírica do lirismo aliado ao deboche –, o universo social e cultural da Inglaterra na Idade Média. As narrativas têm como mote uma disputa entre peregrinos, para saber quem contaria as melhores histórias de cavalaria e romances, enquanto rumam em direção à Cantuária, onde pretendem visitar o túmulo de São Thomas Becket. Cada conto é narrado por um dos peregrinos do grupo. Eles abordam temas e personagens variados, representantes de todas as classes sociais, misturando, assim, entre as narrativas, anedotas, escatologias, citações clássicas, ensinamentos morais e caricaturas. Continue lendo

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Literatura

Narrativa delirante

6 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

O escritor argentino César Aira foi uma das grandes atrações literárias internacionais da Bienal do livro do Rio de Janeiro, neste ano. A editora Rocco, na nova coleção de obras latino-americanas, reuniu em um volume duas de suas novelas, Como me tornei uma freira e A costureira e o vento, traduzidas pela poeta Angélica Freitas. Escritor profícuo, Aira tem mais de setenta livros publicados, desde seus trinta anos de idade publica em média dois romances curtos todos os anos. É um escritor muito popular na Argentina, conhecido por enredos surpreendentes – ainda que inicie muitos de seus romances de uma maneira convencional, eles logo seguem um desvio impressionante; não há uma fórmula literária em seus livros, César Aira é conhecido por ter uma imaginação totalmente livre e, seus romances, por inverterem e subverterem quaisquer expectativas.

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matraca

Um pescador de momentos singulares cheios de significação

5 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Três anos, novela de Tchekhov publicada originalmente em 1895, acaba de ser lançada no Brasil com a tradução cuidadosa feita por Denise Sales – doutora em Literatura e Cultura Russa pela USP e, desde 2012, professora de Língua e Literatura Russa na UFRGS –, que também assina o posfácio e as notas ao volume. A narrativa é ambientada em Moscou, na rua Málaia Dmítrovka, onde o escritor efetivamente viveu, após retornar de sua viagem à colônia penal da ilha de Sacalina. Este não é, contudo, o único elemento autobiográfico. Esta extraordinária narrativa, ao lado de Minha Vida – também publicada pela editora 34 e traduzida por Denise Sales –, é considerada a mais autobiográfica das histórias de Tchekhov. Três anos expressa as inquietações morais e políticas de seu autor. Protagonizada pelos recém-casados Iúlia Belavina, filha de um médico da província, e Aleksei Láptiev, nascido no seio de uma família de prósperos comerciantes moscovitas, a novela mostra o estabelecimento do cotidiano dos primeiros anos matrimoniais do jovem casal e suas relações com os círculos sociais que frequenta, ao passo que demonstra toda a atmosfera opressiva das relações de afeto e poder na Rússia ainda marcada pela recém-abolida servidão.

Em uma de suas cartas Tchekhov escreveu algo que aplica-se a seu trabalho em geral e que pode ser notado em Três anos: “Meu objetivo é matar dois pássaros com um tiro: descrever a vida de modo veraz e mostrar o quanto essa vida se desvia da norma. Norma desconhecida por mim, como é desconhecida por todos nós”. Continue lendo

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história

O homem é nostalgia

4 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Octavio Paz definiu assim O labirinto da solidão: “O labirinto da solidão foi um exercício da imaginação crítica: uma visão e simultaneamente uma revisão. Uma coisa muito diferente de um ensaio de filosofia do mexicano ou da procura do nosso pretenso ser. O mexicano não é uma essência e sim uma história. Nem ontologia nem psicologia. O que me intrigava (e intriga ainda) era menos “o caráter nacional” que aquilo que este caráter esconde: o que está por trás da máscara”. Publicado pela primeira vez em 1950, com a intenção de decifrar os mitos mexicanos, ao livro foi acrescentado, após os violentos acontecimentos de 1968 no México, um pós-escrito. Paz reflete sobre a história do México, a identidade do país e de seu povo, seu universo mental e realidade local, seus mitos, sua lógica: a mexicanidade. Mas não só. Trata-se, talvez, da mais importante tentativa de situar o homem latino-americano no contexto histórico mundial.

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matraca

Literatura de Cordel

3 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A literatura de cordel é uma das mais ricas e genuínas formas de literatura popular mantidas no Brasil. Espontaneidade e rigidez na métrica pontuam as narrativas com a melodia poética das rimas, característica inconfundível. Contam seus cantos e contos que, oriunda de Portugal, chegou com a colonização à Bahia e, dali, irradiou-se para os demais estados do nordeste brasileiro e recebeu o nome de poesia popular.

Márcia Abreu, professora da UNICAMP, organizadora do livro Histórias de Cordéis e Folhetos (publicado pela editora Mercado de Letras), busca, entretanto, confrontar as duas produções culturais frequentemente associadas – a literatura de cordel portuguesa e a literatura de folhetos no nordeste do Brasil –, sugerindo um equívoco na hipótese de associação entre elas. Márcia indica, ao longo do estudo traçado pelo livro, a impossibilidade dessa associação e propõe motivações para o que ela identifica como uma “teoria da vinculação entre ambas as formas literárias.

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Literatura

Humor negro intelectual

2 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Numa das paredes exteriores do auditório a frase grafitada:

“O doutor Rojas (cuja história da literatura argentina é mais extensa do que a literatura argentina).”

Todos olharam para o senhor Borges, o grafitador do bairro. O senhor Borges sorriu. Abanou a cabeça e murmurou um pouco convincente: não fui eu.

 

 

Num jogo ambíguo com a comum idolatria aos escritores que a história da literatura já fez consagrar, o escritor Gonçalo M. Tavares, uma das figuras centrais da literatura portuguesa atual, criou um fantástico “Bairro”, cujos moradores são “o senhor Valéry”, “o senhor Brecht”, “o senhor Walser”, “o senhor Calvino”, “o senhor Swedenborg”, entre outros escritores ilustres. Um bairro que os avizinha, ao mesmo tempo os isola e humaniza. A ambiguidade desdobra-se em cada livro, de acordo com o protagonista escritor.

Em O senhor Eliot e as conferências, cada capítulo é uma conferência proferida pelo senhor Eliot , a convite do senhor Manganelli, a um público diminuto, porém intelectualmente requintado, como Borges, Breton e Swedenborg. As conferências são sobre poesia, ou mais especificamente, sobre um verso de algum poema de poetas sem relação aparente entre si: Cecília Meireles, René Char, Sylvia Plath, Marin Sorescu, W.H. Auden, Joseph Brodsky e Paul Celan. As conferências prometem explicar os versos, porém os desmontam grosseiramente até que deixem de fazer sentido e, então, propõem-lhes correções absurdas, usando de um racionalismo e de um materialismo que soariam sádicos a qualquer amante dos poetas analisados. Um humor negro intelectual, muito engenhoso. Engraçado e curioso fato: no livro O senhor Swedenborg e as investigações geométricas, o senhor Swedenborg assiste a uma conferência do senhor Eliot, exatamente sobre um verso de Sylvia Plath (verso efetivamente analisado em O senhor Eliot e as conferências) que diz: “Não sou ninguém; não tenho nada a ver com explosões”. O senhor Swedenborg se distrai logo no início da fala de Eliot e mergulha em sua obsessão sobre a geometria como um problema para a escrita e para o escritor; somente em meio aos aplausos pelo término da conferência, volta a prestar atenção.

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Literatura

Viajar e escrever, viajar para escrever

29 novembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Um bom par de sapatos e um caderno de anotações é uma seleção de textos e breves considerações de Tchekhov, organizada por Piero Brunello – professor de história social na Università Ca´Foscari, Veneza, também responsável pelos textos de prefácio e apêndice. A tradução foi feita por Homero de Andrade para a editora Martins Fontes. O livro foi publicado originalmente em 1895, resultado de notas realizadas em uma viagem do escritor, entre os meses de abril e outubro de 1890, à ilha-prisão de Sakalina, situada entre o mar de Okhotsk e o mar do Japão. Apesar da organização dos textos sugerir a formação de um “guia teórico-prático de reportagem”, para viajantes, jornalistas ou, simplesmente, leitores, o livro ultrapassa esta modesta pretensão, concentrando textos interessantes sobre assuntos variados: o castigo comum das fustigações – censurado até pouco tempo mesmo em traduções estrangeiras – ou questões teóricas e práticas da narrativa, observações que acabam por esboçar os traços de sua poética.

Durante a viagem, Tchekhov percorreu em condições precárias a região siberiana – a pé, a cavalo, sobre carroças, navegando em balsas e barcos a vapor –, demorou dois meses e meio para chegar à ilha, que “pareceu-lhe um inferno”; percorreu mais de doze mil quilômetros. Ao chegar, “pôde encontrar as pessoas, ver como viviam e escutar suas histórias”.

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