Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

Literatura

Entre nuances, a verdade

26 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
László Moholy-Nagy

László Moholy-Nagy

De verdade é considerado por muitos críticos como a obra máxima do húngaro Sándor Márai. Escrito ao longo de mais de quarenta anos, este denso romance divide-se entre a voz de quatro narradores. Cada um deles descreve suas vidas e seus entrelaçamentos, portanto, ocorrem nas confluências de olhares de cada um sobre as situações, sobre si e sobre os outros. Diferentes organizações de discurso em relação a fatos ocorridos com mais de um dos narradores torna-se de maneira engenhosa um comentário às dificuldades de convivência decorrentes da diversidade de percepções.

Sándor Márai perpassa os conflitos do amor e do casamento, ao passo que também desmascara os meandros da burguesia decadente da Europa Central entre as duas grandes guerras.  Continue lendo

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Literatura

Análise vivenciada

25 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Como se os deuses quisessem provar que um museu só volta à vida quando eles decidem, a estação das chuvas está a cair no pátio toda de uma vez. A água desaba em lençóis e acendem-se relâmpagos que depois ribombam. Começa a subir um cheiro intenso a terra. As árvores brilham. As copas agitam-se. O céu ruge. Os turistas correm”.

fotografia de Frida Kahlo

fotografia de Frida Kahlo

A jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho é um dos nomes confirmados na programação da FLIP. Ela vai dividir uma mesa com a argentina Beatriz Sarlo, sobre suas experiências literárias enquanto reflexões de turistas aprendizes.

Viva México é um interessante livro, cujos textos, escritos à guisa de artigos de uma viagem jornalística, extrapolam contudo a classificação de livro-reportagem.

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lançamentos

Romantismo e revolução

22 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Goya, gravura da série "Os desastres da guerra"

Goya, gravura da série “Os desastres da guerra”

O livro Revolta e melancolia: O romantismo na contracorrente da modernidade, de Michael Löwy e Robert Sayre, estava esgotado no Brasil há alguns anos e acaba de ser reeditado pela Boitempo. Os sociólogos analisam a vertente revolucionária da tradição romântica.

Segundo eles, o romântico é uma visão de mundo complexa que persiste até nossos dias, enquanto resposta ao modo de vida da sociedade capitalista.

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matraca

Diários políticos

21 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

fotografia de Beatriz Sarlo durante viagem pela América Latina [fonte: Clarín]

Foram divulgados os nomes dos autores convidados a participarem da FLIP deste ano. A Abertura da Festa Literária, ano dia 1° de julho, caberá à mesa dividida pela ensaísta argentina Beatriz Sarlo, pela professora de literatura Eliane Robert Moraes e pelo filósofo Eduardo Jardim, que comentarão as cidades e o erotismo que marcam a obra de Mário de Andrade.

Beatriz Sarlo tem alguns livros publicados no Brasil.  Continue lendo

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história

História das ideias

20 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gilberto Freyre

Gilberto Freyre

O livro Cenário com retratos – Esboços e perfis, de Antonio Arnoni Prado, reúne ensaios que investigam a trajetória, tanto pessoal como criativa, de autores brasileiros, para refletir, a partir delas, sobre a maneira como são traçados historicamente no Brasil os percursos em busca da autonomia intelectual.

Alguns dos autores analisados são Lima Barreto, Mário de Andrade, Gilberto Freyre e Erico Verissimo. Arnoni Prado, que é professor da Unicamp, traça aqui um interessantíssimo panorama, tecendo uma crítica literária, cultural e histórica. Seu cenário – a constituição histórica e social – do Brasil é, pois, pontuado por retratos de figuras marcantes da cultura brasileira.

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Literatura

Não falei

19 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Se fosse possível um pensamento sem palavras ou imagens, inteiro sem tempo ou espaço, mas por mim criado, uma revelação do que em mim e de mim se esconde e pronto está, se fosse possível que nascesse assim evidente e sem origem aos olhos de todos e então, sem esforço do meu sopro – tom de voz, ritmo e hesitação, meus olhos –, surgisse como pensamento de cada um, ou ainda, uma coisa, mais que um pensamento, uma coisa assim fosse possível existir, eu gostaria de contar uma história”. 

gravura de Evandro Carlos Jardim

gravura de Evandro Carlos Jardim

Não falei, romance de Beatriz Bracher publicado em 2004, é um livro denso, humana e politicamente. Nele, acompanhamos a narrativa em primeira pessoa de um professor universitário, em vias de mudar-se de São Paulo para São Carlos. A voz masculina dá corpo a uma reflexão, a um só tempo histórica e familiar, sobre a ditadura militar no Brasil, sobre as rodas de chorinho em que o pai tocava flauta, o café no balcão da padaria, os jogadores da seleção de Pelé; perpassando um sentimento de esvaziamento paulatino de utopias.

A mudança de cidade desencadeia no narrador uma série de reflexões, sobre a história, seu passado, as impossibilidades, despertadas pela retumbante memória de quando tinha 24 anos, em 1964: “Vejam então. Fui torturado, dizem que denunciei um companheiro que morreu logo depois nas balas dos militares. Não denunciei, quase morri na sala em que teria denunciado, mas não falei. Falaram que falei e Armando morreu. Fui solto dois dias após sua morte e deixaram-me continuar diretor da escola”.

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história

Histórias de fantasma para adultos

18 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Botticelli

 Lançamento pela Companhia das Letras, Histórias de fantasma para gente grande é uma coletânea de nove textos do historiador da arte alemão Aby Warburg (1866-1929). Os textos, entre ensaios, palestras e esboços, produzidos entre 1893 e 1929, foram reunidos e selecionados pelo sociólogo Leopoldo Waizbort, professor da Universidade de São Paulo. O conjunto abrange momentos de toda a vida intelectual de Warburg, de seus primeiros escritos até o derradeiro.

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Literatura

Ilusões, ou não

15 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gustave Courbet

Gustave Courbet

A origem do mundo, do chileno Jorge Edwards, é considerado um dos melhores romances da literatura hispânica das últimas décadas. A narrativa tematiza, de maneira a um só tempo trágica e bem humorada, a decadência e o renascimento do amor e do desejo, o fracasso dos sonhos políticos e a ficção como elemento de resistência indispensável à vida. Segundo Mario Vargas Llosa, uma história “divertida e inesperada” e a de “construção mais astuta” dentre as obras de Edwards.

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lançamentos

Nossa matriz romântica

14 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Isaiah Berlin

Isaiah Berlin

Isaiah Berlin é um dos grandes nomes da intelectualidade ocidental, conhecido, entre outros, por seus Quatro Ensaios sobre a Liberdade [UnB, 1981, esgotado].

Acaba de ser lançada no Brasil uma tradução de As raízes do Romantismo, um estudo instigante, erudito e profudamente interessante sobre a revolução, na filosofia e nas artes, que causou, a partir do final do século XVIII, o surgimento do movimento romântico.

Para realizar a investigação sobre as origens filosóficas do movimento, Berlin analisa a obra de alguns dos principais pensadores do Romantismo, entre eles, Fichte, Schelling, Herder, Blake e Byron, tecendo uma densa reflexão sobre sua herança intelectual, estética e política, sobretudo levantando a contribuição de cada autor e respectiva obra enquanto fundação para valores fundamentais à democracia, como a liberdade, o pluralismo e a tolerância.

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matraca

Ensaio filosófico

13 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

gravura de Marcelo Grassmann

O mito de Sísifo, é um livro de terrível beleza. Camus, com a sua peculiar aguda compreensão do mundo, aqui apreende o horror sutil das armadilhas do cotidiano, intransigente inconformismo em constante luta com a lucidez.

Trata-se de um dos mais instigantes ensaios de Albert Camus. O texto foi publicado originalmente em 1942, tematizando o absurdo e o suicídio justamente durante a Segunda Guerra Mundial, momento em o mundo vivia com plenitude a absurdidade. A oposição da brutalidade à racionalidade, encontra, sob a pena de Camus, na figura mitológica de Sísifo e de sua condenação eterna a empurrar uma grande pedra ao alto da montanha de onde ela torna a cair, trabalho inútil e sem esperança, uma representação da situação contemporânea.  Continue lendo

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lançamentos

Etnografia da música

12 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Rondó Suyá, fotografia de Anthony Seeger, 1982

Interessante lançamento no Brasil, o livro Por que cantam os Kisêdjê, do antropólogo Anthony Seeger, apresenta um profundo estudo da música e de seu papel enquanto elemento relevante ao processo social da comunidade Kisêdjê. O estudo é resultado de mais de quinze anos de pesquisa de Seeger, que, nascido no seio de uma família de músicos respeitados, sempre interessou-se por música e performances rituais, e chegou ao Brasil, especificamente à comunidade dos Kisêdjê, como um dos pesquisadores do Harvard Central Brazil Project, coordenado por Maybury-Lewis. Seeger conviveu com os Kisêdjê por extensos períodos, ao longo dos quais pode produzir descrições etnográficas detalhadas e originais sobre eles. Os apontamentos de Seeger inovaram o estudo da música e do ritual nas sociedades ameríndias.

Seu pensamento e pesquisa são profundamente influenciados e inspirados pelas análises desenvolvidas por Lévi-Strauss nas Mitológicas. Continue lendo

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lançamentos

A penúria da questão

11 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Van Gogh

Dando prosseguimento à sua coleção Marx e Engels, cujo objetivo é publicar no Brasil a obra dos dois filósofos, em traduções feitas diretamente do alemão, a Boitempo acaba de lançar Sobre a questão da moradia, texto da juventude de Friedrich Engels.

Nele, Engels reflete sobre o problema da habitação, suas razões e suas possíveis soluções. Sua análise sobre a questão da moradia na Europa do século XIX é extremamente atual no Brasil.

O livro reúne três artigos, publicados por Engels no jornal Der Volksstaat. Neles, explica as implicações dos problemas da teoria de Pierre-Joseph Proudhon, bem como das questões levantadas pela burguesia da época, sobre a habitação dos trabalhadores alemães.  Continue lendo

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cinema

Olhar imaginário

8 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“ […] exprimir a significação a um só tempo concreta e essencial do mundo” – Bazin, “Ontologia da Imagem Fotográfica”.

Cena de "Da janela do meu quarto", de Cao Guimarães.

Cena de “Da janela do meu quarto”, de Cao Guimarães.

Cao é o primeiro livro a reunir em que o artista e cineasta Cao Guimarães trata do conjunto da sua obra. Neste volume, ele repassa de maneira intensa seu arquivo fotográfico, para construir uma nova leitura do seu próprio trabalho. O resultado é muito interessante, sobretudo porque sem som ou movimento, sua fotografia, acostumada aos filmes, ganha um novo valor; a sequência das páginas confere um ritmo inusitado às obras, interligando-as dentro uma nova narrativa.

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lançamentos

Capitalismo artista

7 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

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Cada dia mais, o estilo, o design e a beleza se impõem como imperativos estratégicos das marcas. O apelo ao imaginário e a habilidade em despertar a emoção dos consumidores impulsionam a criação massiva de mecanismos de sedução, no design, na moda, no cinema, nos produtos. Arte e mercado nunca antes se misturaram tanto, exagerando, na experiência contemporânea, o alcance do desdobramento das dimensões do valor estético. Gilles Lipovetsky e o crítico de arte Jean Serroy, investigam essas relações, A estetização do mundo e o aparentemente paradoxal conceito do capitalismo artista.

Desvendando a superficialidade de um mundo em “tudo segue a lógica da moda: é efêmero e sedutor”, os autores investigam as transformações do capitalismo e do consumo, bem como seus alcances na individualidade dos sujeitos.

Sua análise mostra que a cultura e sua expressão artística se converteram em simples negócio de mercado. Assim, a arte hoje impregna o mundo comum.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Textos cujo argumento crítico baseia-se no estranhamento

6 maio, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O estranhamento é ferramenta imediata para análise: sobretudo sobre si próprio, individual ou socialmente. É, pois, instrumento retórico por excelência.

O olhar de estranhamento rebate-se num jogo de espelhos invertidos, desdobrando a noção do outro como analogia possível – tal o conceito de outridade de Octavio Paz, descrito no ensaio Signos em rotação; base de construção histórica, como vista por Carlo Ginzburg:  “Grandes olhos de madeira, por que olhais para mim?”.

 

Liev Tolstói, "O diabo e outras histórias"

Liev Tolstói, “O diabo e outras histórias”

Tolstói, com seu conto Kholstomer, aborda, suscitado-os a partir de um estranhamento irônico, aspectos fundamentais de sua crítica à sociedade de sua época, às contradições do capitalismo e das noções de propriedade privada e a posse.

Kholstomer é um cavalo puro-sangue, porém malhado, razão que faz com que seu dono o mande castrar, para não prejudicar a raça. Por ser malhado, o cavalo também é alvo de ridicularização e de desprezo pelos outros cavalos, conta Tolstói que “o motivo da crueldade dos cavalos devia-se também a um sentimento aristocrático”, pois o malhado tinha origem desconhecida. O conto constrói uma metáfora que caracteriza as relações sociais da época.

Ao próprio cavalo, o estranhamento – espelho de efeito crítico ácido – é ser posse humana: “[…] mas, naquele momento, não houve jeito de entender o que significava me chamarem de propriedade de um homem”; para Kholstomer, a expressão “meu cavalo”, referindo-se a ele, reflete-lhe tão estranhamente quanto “minha terra” e “minha propriedade”.

Ao passo que ele reflete sobre o significado dessas “palavras confusas”, percebe a vastidão de sua aplicação conceitual: “mais tarde, depois que ampliei o círculo das minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de “meu” não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade”. Sua interessante conclusão, é que a orientação humana não é dada pelas ações, senão pelas palavras.  Continue lendo

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