Arquivo do autor:Isabela Gaglianone

Artes Plásticas

“Oceano, aceita-me?”

29 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

desenho de Leonilson

Todo o trabalho de Leonilson (1957-1993) é profundamente poético.

Predominantemente autobiográfica, embora ainda uma espécie de crônica – a um só tempo delicada e mordaz – angustiosa da vida moderna, a obra do artista cearense ocupa um lugar muito particular na arte brasileira.

Ao definir a sua própria obra, o artista insistia que seu sentido original deveria restringir-se ao registro de sua vida privada: “O mundo exterior não existe. O que a gente procura está dentro de nós”, dizia. Cada uma de suas obras, assim, pode ser vista como um fragmento de um diário íntimo, a organizar, e mesmo traduzir, vivências de maneira pictórica e plástica.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Clima de pastelão macabro

28 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A peça de teatro A lata de lixo da história – Chanchada política, escrita pelo crítico literário, sociólogo, professor e poeta Roberto Schwarz, acaba de ser relançada pela Companhia das Letras. Escrita durante o exílio do autor na França – pois, durante o AI-5, em 1968, ele, então professor de teoria literária na USP, foi acusado de promover a subversão marxista na universidade –, a peça foi inspirada pelas leituras que Schwarz fez no esconderijo improvisado, felizmente guarnecido com uma boa biblioteca, que continha, entre outros, O príncipe, de Maquiavel, e O alienista, de Machado de Assis: inspiração e a matéria-prima para A lata de lixo da história, chanchada em treze cenas que transfigura o clássico machadiano numa sátira impiedosa da sociedade brasileira durante o regime militar.

A partir de uma visão crítico-irônica dos usos e abusos do poder, é construída a situação farsesca da peça, utilizando-se do cômico e do grotesco como expressões de um conteúdo crítico atualizado.  Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Documentos líricos

27 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Foto de Maureen Bisilliat, do livro “Xingu”

“Ninguém ignora o que se passa com o índio. Mas, para mostrar seu drama, não é necessário expor só a degradação, a decadência. É igualmente importante deixar patente o quanto ele foi belo, digno e forte, e a grandeza do que está sendo destruído” – Orlando Villas Bôas.

A inglesa Maureen Bisilliat descobriu a fotografia através da literatura brasileira. Chegou ao Brasil em 1952, após ter estudado pintura em Paris e Nova York. Aqui, trocou a pintura pela fotografia. Um de seus belos, poéticos e profundos  livros sobre a cultura brasileira é este Xingu – Território Tribal, realizado em parceria com os irmãos Villas Bôas

Continue lendo

Send to Kindle
história

Pelas fronteiras coloniais

26 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Manuscrito de Francisco José de Lacerda e Almeida

O livro Francisco José de Lacerda e Almeida – Um astrônomo paulista no sertão africano é um interessante estudo sociológico, antropológico, histórico e biográfico, realizado por Magnus Roberto de Mello Pereira e André Akamine Ribas.

Lacerda e Almeida, como muitos brasileiros no século XVIII, estudou na Universidade de Coimbra, na qual estudou Matemática e Astronomia. Assim que se formou, foi contratado pela coroa para integrar a comissão de demarcação das fronteiras entre os territórios americanos de Portugal e Espanha, pelo que passou dez anos no Mato Grosso. Lacerda e Almeida posteriormente voltou a Portugal, onde se tornou professor de astronomia; em 1797 foi incumbido de atravessar a África, de Moçambique a Angola. Morreu no sertão africano, sem conseguir cumprir sua missão. A demarcação das fronteiras da América do Sul e a expedição de travessia da África estão entre as maiores aventuras científicas do século XVIII.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Aprendizagem e instrução

23 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ivan Illich (Viena, 1926 – Bremen, 2002) foi um intelectual que teceu uma série de críticas às instituições da cultura moderna. Pensador da ecologia política, ele foi uma figura importante da crítica da sociedade industrial. Seu livro mais conhecido é Sociedade sem escolas, publicado em 1971, no qual desenvolve uma profunda crítica à institucionalização da educação nas sociedades contemporâneas. Utilizando exemplos que mostram a natureza ineficaz da escolarização, ele defende a aprendizagem autodidata baseada em relações sociais intencionais, uma intencionalidade fluida e informal. Ele indica uma necessidade de se chegar a um entendimento prévio sobre o que se entende por “escola” e propõe o que chama de “fenomenologia da escola pública”: sua definição entende a “escola” como um processo, que requer assistência de tempo integral a um currículo obrigatório, em certa idade e com a presença de um professor.

Segundo Illich, metade dos habitantes do planeta jamais colocou os pés numa escola ou teve contato com professores e, entretanto, ainda assim aprende com relativa eficiência “a mensagem transmitida pela escola: precisam de escola sempre e sempre mais”. A escola “os instrui na sua própria inferioridade […]. Desse modo os pobres são despojados de sua autoestima, pela submissão a uni credo que garante a salvação apenas pela escola”. Continue lendo

Send to Kindle
cinema

Sondagens, exploração, sobrevôos

22 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

cena de “Ladri di Biciclette”, de Vittorino de Sica

Lançamento de hoje, o livro O que é o cinema?, de André Bazin, traz uma coletânea de ensaios fundamentais, não só sobre questões do cinema em si e de sua história, mas articulando-as a suas relações com a filosofia, com a própria ideia de representação, com fotografia, teatro e literatura. Bazin tece uma crítica versátil, clara e instigante. Seus ensaios são reflexões estimulantes, que transitam da escola italiana e soviética ao universo do western e das pin-ups. Mas o autor adverte, o título “não é bem a promessa de resposta, mas antes o enunciado de um problema que o autor se colocará ao longo das páginas”.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

古悠悠行

21 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Bilíngue, a Antologia da poesia clássica chinesa, coletânea que contempla a poesia realizada sob a dinastia Tang (618 – 907), é a mais abrangente já publicada em língua portuguesa. Reúne mais de 200 poemas de mais de 30 autores, incluindo algumas mulheres, como Li Ye, Xue Tao, Yu Xuanji. Entre os autores, destacam-se os três principais nomes da poesia daquele período: Li Bai, Du Fu, Wang Wei. A tradução contempla também escritores como Bai Juyi, Meng Haoran, Li Shangyin, Du Mu, Liu Yuxi, Cen Shen, Wen Tingyun e Li He. A Dinastia Tang é considerada a “idade de ouro” da literatura chinesa clássica, período em que as experimentações formais e linguísticas atingiam o seu auge e cunharam modelos clássicos que perduraram até a chegada do modernismo no século XX. Os tradutores, Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, apresentam na cuidadosa edição da Editora Unesp uma introdução histórica, notas explicativas e resenhas sobre os autores. O trabalho introdutório aborda ainda questões de teoria literária e da teoria da tradução, apresentam aspectos estruturais da poesia clássica chinesa, expõem os conceitos de paralelismo, tradução-recriação, tradução estrangeirizante – tomando como bases teóricas textos de Walter Benjamin, Roman Jakobson, Haroldo de Campos, François Cheng, Ezra Pound, Octavio Paz.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Obscuridades do direito e da democracia

20 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Diante do incessante avanço do que foi definido como uma ‘guerra civil mundial’, o estado de exceção tende sempre mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea. Esse deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente – e, de fato, já transformou de modo muito perceptível – a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo”.

Em Estado de Exceção, o filósofo italiano Giorgio Agamben estuda a contraditória figura dos momentos (outrora) “extraordinários” – de emergência, sítio, guerras –, nos quais o Estado manipula dispositivos legais para suprimir limites à sua atuação, a própria legalidade e os direitos dos cidadãos. Segundo o autor, “o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal”: um poder além de regulamentações e controle, que hoje não é mais excepcional, é o próprio padrão de atuação dos Estados.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Linguagem densa

19 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

HISTÓRIA INVISÍVEL

Era o vento entrando

pela casa, abrindo seus recessos

em varandas, instando pelo

espaço sem limites, até

se defrontar com o espelho

e logo se deter, cristalizado.

 

Adivinhação da leveza, de Duda Machado, é composto por 69 poemas que trazem alguns olhares sobre a linguagem e sobre o mundo, poemas em que cotidiano, memória e reflexão estética se entrelaçam com graça e ironia. O poeta baiano quebrou com este livro (publicado em 2011) um jejum editorial de quatorze anos após a publcação de Margem de uma onda – que sucedera em sete anos o livro Crescente, coletânea de sua poesia completa até então. A poeta e tradutora Simone Homem de Mello, em resenha do livro escrita para a revista Zunái, comenta: “Ao contrário dos lacônicos esporádicos, Duda é um lacônico intenso, de modo que os quatorze anos aparentemente transcorridos em silêncio estão presentificados, tangíveis, condensados em menos de 80 páginas”. Para Duda Machado, como diz um de seus poemas, ‘o passado volta ou sequer/se foi, enquanto se transforma;/o passado/ainda está para ser;/entretanto,/subsiste/a leveza de lidar/com o que te vais tornando’.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

Aparente unidade linguística

16 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro História social da língua nacionalorganizado pelas pesquisadoras Ivana Stolze Lima e Laura do Carmo, é resultado de um seminário realizado em outubro de 2007, cujas discussões giraram em torno da história própria da língua portuguesa no Brasil, marcada pelas condições sociais e culturais relacionadas à colonização, à escravidão, à relação com os indígenas e à imigração.

gravura de Hansen Bahia, da série “Navio negreiro”

Os artigos que compõem o livro foram formulados por pesquisadores de história, antropologia, língua portuguesa, linguística e literatura, de dez instituições, formando assim um conjunto com panorama diversificado e com diferentes focos de períodos e de fontes de pesquisa. “Livro, língua e leitura no Brasil e em Portugal na Época Moderna”, de Luiz Carlos Villalta, “Africanos, crioulos e a língua portuguesa”, de Dante Luccesi, “Fontes escritas e história da língua portuguesa no Brasil: as cartas de comércio no século XVIII”, de Afranio Gonçalves Barbosa, “Uma história da história nacional: textos de fundação”, de Manoel Luiz Salgado Guimarães, “Falas e cores: um estudo sobre o português de negros e escravos no Brasil do século XIX”, de Tania Alkmim são apenas alguns dos artigos.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

O homem, a História, as imagens

15 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ninfas – que compõe a série de ensaios publicada em 1998 sob o título Image et mémoire – do italiano Giorgio Agamben, tece uma reflexão sobre o moderno esquecimento da experiência, baseada numa análise sobre o trabalho do crítico e historiador da arte alemão Aby Warburg e de seu atlas das diversas versões de representação de determinadas figuras da arte, o Altas Mnemosyne. Para Warburg, trabalhar com imagens, nesse sentido representativo diversificado, significa trabalhar no limiar, não somente entre o corpóreo e o incorpóreo, mas, sobretudo, entre o individual e o coletivo. Para Agamben, seria o cerne da problemática em torno do papel fundamental do contemporâneo.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

bem compreenderás o sentido das Ítacas

14 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

–  Que esperamos reunidos na ágora?

É que hoje os bárbaros chegam.

– Por que tanta abulia no Senado?

Por que assentam os Senadores? Por que não ditam normas?

Porque os bárbaros chegam hoje.

Que normas vão editar os Senadores?

Quando chegarem, os bárbaros ditarão as normas.

– Por que o Autocrátor levantou-se tão cedo

e está sentado frente à Porta Nobre da cidade

posto em seu trono, portanto insígnias e coroa?

Porque os bárbaros chegam hoje.

E o Autocrátor espera receber

o seu chefe. Mais do que isto, predispôs

para ele o dom de um pergaminho. Ali

fez inscrever profusos títulos e nomes sonoros.

(Konstantinos Kaváfis, “À espera dos bárbaros”, tradução de Haroldo de Campos)

O grego Konstantínos Kaváfis (Κωνσταντίνος Πέτρου Καβάφης), considerado o maior poeta da Grécia moderna, não teve nenhum livro publicado em vida, distribuía os poemas em folhas soltas, também publicou alguns em revistas literárias. Seus poemas, 154 reelaborados durante a vida inteira, une citações eruditas à fala cotidiana. Uma obra tão pequena quanto notável, referência definitiva para o modernismo na poesia.

No Brasil, a Cosac Naify publicou um belo livrinho que reúne 15 poemas de Konstantinos Kaváfis traduzidos por Haroldo de Campos. Continue lendo

Send to Kindle
matraca

O caos como regra

13 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Se a esquerda intelectual brasileira pretende mesmo algum dia despertar do coma profundo em que se encontra, creio que a primeira providencia seria repassar os grandes lugares-comuns de nossa tradição crítica por um prisma teórico e político à altura da ruptura de época que estamos atravessando as cegas.”

Novo lançamento, o livro de Paulo Eduardo Arantes O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência, analisa o nosso, como um tempo em contínua guerra civil, marcado por uma generalizada ausência de perspectivas, por um estado de exceção permanente, pela alastrada catástrofe ambiental, pelo colapso urbano que culmina na militarização do cotidiano: uma era de perpétua emergência, em que esquerda e direita confluem na gestão de programas de urgência. Os ensaios que compõem o livro analisam e refletem sobre as manifestações ocorridas em junho de 2013, o extermínio colonial, a economia de guerra, a indústria dos presídios, as UPPs, o trabalho nos campos de concentração, as revoltas nos guetos, o golpe militar de 64 e o desafio de pensar a experiência da história em uma era de expectativas decrescentes.  Continue lendo

Send to Kindle
Últimas

Reinterpretações antropológico artísticas

12 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Em Pérola imperfeita a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz acompanha a pesquisa poética e construção da obra de Adriana Varejão, propondo um diálogo entre a releitura da história realizada pelo trabalho da artista e possibilidades narrativas enredadas em seu processo criativo. Escrito como uma narrativa em primeira pessoa por Lilia, o livro é contudo de autoria conjunta, fruto de uma construção recíproca entre texto e imagem, resultado de um diálogo entre as duas. A antropóloga diz que procurou “explicitar as referências e iluminar o processo criativo da Adriana”. Cerne da aclamada produção da artista, a reflexão sobre identidade e a tentativa de trazer à tona histórias ocultas por uma história oficial, são os elementos centrais deste estudo.

Continue lendo

Send to Kindle
cinema

Entre sonhos e filmes

9 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O Instituto Moreira Salles e o Sesc organizaram em 2012 a exposição que gerou este belo catálogo: Tutto Fellini. A publicação traz fotografias de bastidores, desenhos, revistas e cartazes de época, buscando revelar o processo criativo do cineasta italiano Federico Fellini. Nem cronológico, nem filmográfico, o catálogo procura seguir as quatro linhas temáticas que balizaram a exposição: “cultura popular”, “Fellini em ação”, “a cidade das mulheres” e a “invenção biográfica”. Uma busca pelas obsessões do diretor, bem como por suas fontes de inspiração, explorando as suas diferentes facetas, quer como devorador onívoro de imagens, admirador das mulheres, crítico da sociedade, realizador enérgico, como criador profuso.

Continue lendo

Send to Kindle