Arquivos da categoria: lançamentos

Artes Plásticas

Arte andarilha

13 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

[…] o único caminho possível numa discussão teórica seja talvez limitar-se a refletir sobre como as obras e os mitos se perseguem, tangenciando-se até em seus aspectos mais prosaicos, percorrer os lugares onde os caminhos se cruzam, os fios se emaranham e se embaralham, tudo parece remeter a outra coisa, e fica evidente que a meta é o próprio caminho”.

Robert Smithson, “A Tour of theMonuments of Passaic”

Novas derivas, de Jacopo Crivelli Visconti, delimita e analisa uma forma artística recorrente desde a década de 1960: a incorporação do ato de andar, normalmente protagonizado pelos próprios artistas. De acordo a definição de Guy Debord, este é o processo artístico conhecido como deriva. A análise de Visconti tece uma ampla reflexão sobre os trabalhos de deriva, marcados por um posicionamento situacionista para despertar reflexões sociais, politicamente engajadas. Imateriais e, portanto, invendáveis, são trabalhos que relacionam-se com o espaço, cartografando-o de maneira singular e desenvolvendo uma interessante crítica à subserviência das artes à banalidade mercadológica.

O livro, que surgiu como uma tese, defendida pelo autor na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) – USP, apoia-se em vasta e profunda pesquisa sobre as ideias e processos desenvolvidos nas artes plásticas nas últimas cinco décadas. Continue lendo

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cinema

1914 e a pungente melancolia da decadência

5 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Luzes da ribalta, o livro de Charles Chaplin que inspirou o seu filme homônimo acaba de ganhar tradução no Brasil, feita por Henrique B. Szolnoky, na edição da Companhia das Letras. (O filme e o livro são homônimos apenas na tradução, o título original da novela é Footlights, ao passo que o do roteiro é Limelight).

Sentimental, entrelaçado por fios de drama e de comédia, trata-se de um belo filme sobre a melancolia da derrocada humana. Estreou em 16 de maio de 1952, em Londres. Seu roteiro foi intelectualmente concebido em 1916, quando, então já astro de Hollywood, Chaplin foi visitado pelo bailarino russo Vaslav Nijinsky. Profundamente impressionado pela figura mítica de Nijinsky, que, pouco tempo depois, seria diagnosticado como esquizofrênico e abandonaria a dança, Chaplin teria ali tido o impulso criativo da concepção de uma história sobre a decadência, artística e física, de um bailarino.

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lançamentos

A ascensão da desigualdade de renda

4 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“The Protectors of Our Industry”, Bernhard Gillam

Um dos livros mais comentados do ano, O capital no século XXI, de Thomas Piketty, começou nesta semana a ser vendido no Brasil. Trata-se de um abrangente estudo sobre a desigualdade. O economista francês revela que o mundo vive uma segunda “Belle Époque” financeira, concentrada em 1% da população mundial. A desigualdade aumentou ao ponto de ter voltado a patamares do século XIX; além disso, a concentração indica também uma volta ao “capitalismo patrimonial”, caracterizado pelo pertencimento das grandes fortunas não a isolados indivíduos bem-sucedidos, mas a dinastias familiares e, segundo o estudo, a riqueza hereditária é tão alastrada que torna-se praticamente indiscernível.

Piketty, que é professor na Escola de Economia de Paris, sustenta que, atualmente, é a receita do capital, e não a renda do trabalho, o fator predominante da distribuição de renda. Segundo ele, durante a Belle Époque europeia e a Gilded Age norte-americana, foi a desproporção entre a propriedade de ativos, e não a desigualdade salarial a promover a drástica disparidade de renda; ele demonstra através de dados, que estamos no caminho de volta àquele quadro social. A menos que a concentração seja, em sua opinião, combatida por tributação progressiva.

Os dados foram obtidos através do desenvolvimento que Piketty realizou, junto com alguns colegas, sobretudo Anthony Atkinson, de Oxford, e Emmanuel Saez, de Berkeley, de técnicas estatísticas pioneiras, que possibilitam o rastreamento da concentração de renda e de riqueza em épocas distantes, Continue lendo

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lançamentos

Un coup de dés

17 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Mallarmé, por Gauguin.

O poema Um lance de dados, de Mallarmé, ganhou nova tradução, realizada por Álvaro Faleiros e publicada pela Ateliê Editorial. O tradutor procurou estabelecer um diálogo com a miríade de trabalhos dedicados ao poema, em especial a consagrada tradução feita anteriormente por Haroldo de Campos [Perspectiva, 1977], que apresentou de maneira especial Mallarmé ao público leitor brasileiro. A cuidadosa edição, bilíngue, conta com um texto de apresentação da proposta de tradução, escrito por Faleiros – seu percurso concentra-se no aspecto tipográfico do poema, o que desconsidera, em parte, áreas das subdivisões prismáticas que permeiam o texto. O volume traz também uma leitura crítica do poema realizada por Marcos Siscar, bem como o prefácio, que acompanha o poema desde sua primeira edição, introduzido por Mallarmé e seguido do pedido do autor para que, logo após sua “inútil leitura”, fosse pelos leitores esquecido. Paradoxalmente, o prefácio é um verdadeiro programa da “nova arte” poética inaugurado pelo poema. Nesse prefácio, Mallarmé avisa: a diferença “de caracteres de impressão entre o motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita a importância de sua emissão oral”.

Um lance de dados, longo poema de versos livres e tipografia revolucionária, desempenhou um papel fundamental na evolução da literatura no século XX.

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lançamentos

O difícil acomodar-se à condição humana

14 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Sei que neste quarto-desamparo procuro levar a imaginação até seu limite — jeito de driblar entre aspas desintegração contínua das minhas entranhas”.

pintura de Nikiforos Lytras, Antígona frente ao falecido Polinices (1865)

Os piores dias de minha vida foram todos, novo livro de Evandro Affonso Ferreira, fecha a sua trilogia do desespero, iniciada por Minha mãe se matou sem dizer adeus [Record, 2010] e O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam [Record, 2013].

A forte narrativa do livro é conduzida pelo diálogo imaginário da narradora: uma mulher que, em um leito de UTI, delira que caminha nua pelas ruas da metrópole e cita Antígona, de Sófocles. Em meio ao seu alucinante solilóquio, a desesperançada personagem observa a vaidade humana enquanto relembra suas perdas e a relação com o amigo escritor falecido.

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lançamentos

A condição humana e a banalidade da violência

30 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Que quem se cala quanto me calei, não poderá morrer sem dizer tudo”.

Ilustração de Günter Grass

A publicação de uma obra póstuma de um grande escritor como Saramago é um presente inestimável aos seus tantos leitores órfãos. É também a possibilidade de ver em germe sua criação literária, torrencial e precisa.

Em junho de 2010, quando faleceu, ele deixou em aberto a narrativa da história de Artur Paz Semedo, um homem simples, empregado de uma fábrica de armas, as Produções Belona S.A – Belona é o nome da deusa romana da guerra. Funcionário exemplar, que, se por um lado ambicionava crescer profissionalmente na empresa e dirigir uma área de armamentos pesados, por outro lado encontra conflitos morais, pois fora casado com uma pacifista radical, que dele divorciara-se por não concordar com o ofício armamentista.

O lançamento de Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas – cujo título alude a dois versos da tragicomédia Exortação da guerra, de Gil Vicente – traz a lume uma obra, ainda que inconclusa, forte e bela, como comum ao grande escritor que foi Saramago. Continue lendo

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De carne e osso

24 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Oswldo Goeldi, xilogravura, impressão póstuma

Carlos Henrique Schroeder acaba de lançar As fantasias eletivas, pela Record. Sua narrativa une prosa, poesia e fotografia, usando-os para pensar sobre a solidão e a criação literária. Uma forma literária que acaba por mostrar-se profundamente humana. Segundo o autor: “Quem ler o livro vai observar que são personagens de carne e osso, gente como a gente que tem problemas também”.

O livro conta a história de um recepcionista noturno de hotel que leva uma vida atormentada em Balneário Camboriú. Ele encontra, na improvável amizade com o travesti Copi e sua paixão por fotografia, uma alternativa para reconstruir sua vida e seguir em frente: ele lerá o que Copi escreve e será o único que terá acesso a suas fotos de surpreendente beleza.  Continue lendo

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lançamentos

Rumo às entranhas da terra

18 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O sono do homem do garimpo é repleto de explosões, de baques metálicos de ferro contra rocha, do chocalho das peneiras preenchidas de areia e cascalho. Sonha mais com o árduo trabalho que precede a pedra que com a pedra dos sonhos, o garimpeiro em seu catre. Com a pedra da riqueza, sonha muito mais acordado — o corpo em seu descanso e a mente em seu torpor são mais afeitos à realidade que o garimpeiro em pleno entendimento, durante a vigília”.

Portinari, “Garimpo”, 1938

É no sertão garimpeiro que se desnovelam as tramas deste novo e belo romance de Estevão Azevedo. As diversas personagens de Tempo de espalhar pedras entrecruzam-se,, inseridas no cenário de um vilarejo que – metáfora nacional –, paulatinamente, é destruído por homens desesperadamente cobiçosos. Pois nas muitas serras ao redor daquela paisagem, quando já não há solo que não tenha sido maculado por explosões e picaretas, os homens têm a fatal percepção: as únicas superfícies ainda intocadas e que podem esconder pedras preciosas são aquelas em que suas próprias casas estão erguidas. Sob vielas e praças, sob salas, quartos, cozinhas e quintais, escondem-se suas últimas esperanças de sobrevivência ou fortuna.

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Ensaio sobre o medo e os fins

17 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A pergunta do título é desconcertante: Há mundo por vir?. O livro de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, lançamento co-editado pela editora Cultura e Barbárie e pelo Instituto Socioambiental (ISA), propõe uma reflexão séria a respeito dos atuais discursos sobre “o fim do mundo”.

Lasar Segall

Atualmente, os materiais e análises sobre as causas (antrópicas) e as consequências (catastróficas) da “crise” planetária vêm se acumulando com extrema rapidez, mobilizando tanto a percepção popular quanto a reflexão acadêmica. Os discursos que traçam prognósticos fatalistas são pelos dois autores tomados como experiências de pensamento, como tentativas de invenção, não necessariamente deliberadas, de uma mitologia adequada ao presente.

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lançamentos

Complexas relações: democracia e totalitarismo

9 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O ódio à democracia é tão velho quanto a democracia: a própria palavra é a expressão de um ódio”.

A Boitempo acaba de lançar O ódio à democracia, do filósofo francês Jacques Rancière, ensaio sucinto e provocativo, que com irreverência e erudição, evoca momentos da história da filosofia política para analisar alguns dos principais impasses nos quais se encontra hoje a democracia e a esquerda. Rancière aponta uma mutação ideológica, a democracia não mais opõe-se, virtuosa, ao horror totalitário, ela é, atualmente, exportada pelos governos pela força das armas, ao passo que reina silencioso um “individualismo democrático”, que sob  as injúrias do “igualitarismo”, esvazia os valores coletivos e forja um novo totalitarismo.

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lançamentos

Recife de metáforas

8 setembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um interessante livro sobre a constante transmutação das línguas, O desenrolar da linguagem, de Guy Deutscher, chega ao leitor brasileiro pela Mercado de Letras, com tradução de Renato Basso e Guilherme Henrique May.

Deutscher, lingüista, investiga o papel da metáfora, enquanto meio para a evolução e transformação da linguagem. O livro desenvolve-se de uma maneira simples, com exemplos precisos.

Para o autor, a linguagem é “um recife de metáforas mortas”, pois usamos palavras cujo significado original perdeu-se com o tempo: tão usadas em sentido diferente, já ninguém mais se lembra do significado original. As mudanças lingüísticas são, portanto, naturais e incontingentes, segundo Deutscher.

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lançamentos

Meandros de literatura e cinema

27 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Novo romance de Antonio Xerxenesky, F, lançado pela Editora Rocco, é permeado pela figura de Orson Welles e seu filme “F for fake”, cujo título no Brasil foi traduzido como “Verdades e mentiras”, e que coloca em questão os conceitos de autoria e autenticidade na arte. O livro é protagonizado por Ana, uma jovem brasileira, assassina de aluguel, que desde a adolescência desenvolve seu especial talento no manejo de armas e que é contratada para infiltrar-se na equipe de produção e matar Welles. A personagem traça, para tanto, o perfil psicológico do cineasta, investigando-o através de seus filmes. Xerxenesky entronca as histórias de Welles e de sua assassina, ao mesmo tempo que os transforma em metáforas do cinema e da literatura, do autêntico e da cópia.  Continue lendo

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lançamentos

Certezas antropológicas contra as incertezas feministas ou vice-versa

26 agosto, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A CosacNaify acaba de publicar O efeito etnográfico, coletânea de dezesseis dos artigos mais influentes da antropóloga britânica Marilyn Strathern, publicados entre 1980 e 2004. Os textos foram traduzidos por Iracema Dulley, Jamille Pinheiro e Luísa Valentini e o volume conta com texto de quarta capa escrito por Eduardo Viveiros de Castro.

Strathern, autora de O gênero da dádiva (UNICAMP, 2006) aborda temas diversos como as categorias etnográficas de doméstico e selvagem, gênero, parentesco, economias da dádiva versus economia da mercadoria, noção de pessoa, evento histórico, cultura material, técnicas de fertilização, direitos de propriedade intelectual, além de empreender uma reflexão sobre a própria antropologia.  Continue lendo

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cinema

Sondagens, exploração, sobrevôos

22 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

cena de “Ladri di Biciclette”, de Vittorino de Sica

Lançamento de hoje, o livro O que é o cinema?, de André Bazin, traz uma coletânea de ensaios fundamentais, não só sobre questões do cinema em si e de sua história, mas articulando-as a suas relações com a filosofia, com a própria ideia de representação, com fotografia, teatro e literatura. Bazin tece uma crítica versátil, clara e instigante. Seus ensaios são reflexões estimulantes, que transitam da escola italiana e soviética ao universo do western e das pin-ups. Mas o autor adverte, o título “não é bem a promessa de resposta, mas antes o enunciado de um problema que o autor se colocará ao longo das páginas”.

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cinema

Cinema político e poético

4 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia: Abbas Kiarostami

Reeditado no final do ano passado, o livro Abbas Kiarostami é a primeira publicação no Brasil consagrada ao diretor iraniano. O volume reúne mais de cinquenta fotos realizadas no Norte do Irã, três textos de autoria do próprio Abbas Kiarostami, além da relação completa de sua filmografia, comentada. Os textos foram separados numa seção intitulada “Duas ou três coisas que sei de mim”, que compreende: “Fotografia e natureza”, no qual o diretor fala sobre sua atividade fotográfica, sobre suas concepções sobre a arte do enquadramento e sobre a paixão pela natureza; “No trabalho”, uma autobiografia, desde a fundação do departamento cinematográfico estatal Kanun até a concepção de seus longas-metragens; “Uma boa boa cidadã”, crônica emocionante sobre a “perseguição” do cineasta a uma menina de rua na Avenida Paulista, que remexe as lixeiras à procura de comida; e, por fim, quatro poemas inéditos.

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