“Bioy Casares lembrou então que um dos heresiarcas de Uqbar declarara que os espelhos e a cópula são abomináveis porque multiplicam o número dos homens” – Borges.
Odilon Redon
Se questionássemos a história da literatura entendida como linha temporal dialógica de confrontos dos movimentos literários com movimentos antecedentes, veríamos que talvez o que esteja por trás desta concepção seja uma ideia de história linear. A ela poderíamos então sobrepor outra possibilidade, a ideia de história circular. Para precisar, um circular espiralado, com eixo móvel, em que a repetição[1] torna-se um conceito ontológico maior: a concepção de uma ontologia da própria literatura[2], considerando-a sujeito de si, encarnada no artista literário, no escritor. O artista percebe a mobilidade do eixo histórico, vive o paradoxo da repetição. Nas palavras de Deleuze, “não se pode falar em repetição a não ser pela diferença ou mudança que ela introduz no espírito que contempla”, ou seja, “a não ser por uma diferença que o espírito extrai da repetição” (Deleuze, Diferença e repetição, p. 111): o eixo histórico é móvel, pois o presente constantemente imiscui-se ao passado e dele retorna, um espelho que reflete a diferença; o artista faz esse movimento, cria a si mesmo através da criação da forma a partir da contemplação daquilo que o precede, enquanto sujeito total ou parcial, de si ou da história: “Extrair da repetição algo novo, extrair-lhe a diferença, este é o papel da imaginação ou do espírito que contempla em seus estados múltiplos ou fragmentados” (idem, p. 118). Para o artista o presente é simbólico, qualquer perturbação ocasionada ao real, carrega-a consigo. Provocando a forma literária, ele preenche a si mesmo, materializando a contemplação dos liames da representação da realidade em pontos complexos, confrontando e efetuando a originalidade de um presente a outro, do real ao mais profundo do próprio ser literário. Sempre em primeiro plano[3].
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