Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

Crítica Literária

lirismo metalinguístico, poética acadêmica

19 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

[…] A experiência da imagem, anterior à da palavra, vem enraizar-se no corpo. A imagem é afim à sensação visual. O ser vivo tem, a partir do olho, as formas do sol, do mar, do céu. O perfil, a dimensão, a cor. A imagem é um modo da presença que tende a suprir o contato direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua existência em nós. O ato de ver apanha não só a aparência da coisa, mas alguma relação entre nós e essa aparência: primeiro e fatal intervalo. Pascal: ‘Figure porte absence et présence’.

O belo livro O ser e o tempo da poesia, do professor e crítico literário Alfredo Bosi, foi publicado originalmente em 1977, pela Editora da Universidade de São Paulo. Em 2000, foi trazido de volta ao mercado editorial brasileiro pela Companhia das Letras. Interessado pela investigação do “ser” e da “origem” da poesia, numa chave de leitura que retoma ideias desenvolvidas pelo filósofo italiano Vico, ele procura pensar o primado da linguagem poética em uma nova ordem de valores – a alteridade estranha das coisas e dos homens, o pensamento humano enquanto sonoro, a formação de imagens, o ritmo do discurso poético a música na linguagem.

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matraca

A matéria da poesia

18 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro Junco, de Nuno Ramos, reúne poemas articulados a fotografias realizadas, ao longo dos quatorze anos de elaboração do livro. As fotos e os versos são protagonizados por cães largados no asfalto e cadáveres de árvores sobre a areia, imagens das águas e da praia e de fragmentos; o conjunto entre imagens e palavras foi considerado, por alguns, um diálogo perturbador, por outros, a redução dos poemas a meras legendas. Publicado pela editora Iluminuras, em 2011 é o primeiro livro de poesia de Nuno Ramos.

Um dos poemas utiliza quatro versos de  “A Máquina do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade. Talvez por isso, mesmo antes de sua publicação, Junco tenha ganho como epíteto “a máquina do mundo cão”, como apontou a crítica literária Flora Süssekind: no texto de orelha ao livro, ela analisa: “Não é preciso adivinhar a referência à busca do sentido do mundo, à “total explicação da vida” que espantosamente se abre aos olhos de um caminhante solitário, ainda que para se recolher, logo em seguida, e sem desfazer o enigma, como no poema de Drummond. A máquina do mundo se expõe diretamente aí em nota e em recortes brevíssimos, encravados nos textos”.

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matraca

Lavorare stanca

17 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Trabalhar cansa foi o livro de estreia de Cesare Pavese (1908-1950), um dos escritores italianos mais importantes do século XX. Com um verso mais narrativo, aberto à prosa da vida cotidiana, as poesias aqui reunidas retratam as noites insones das cidades, povoadas pelas figuras de proletários, prostitutas, bandidos, bêbados e mendigos vivendo seus dramas diários.

Escrito no contexto da Itália fascista, Trabalhar cansa é um marco de renovação e revitalização da poesia italiana, até então dominada por tendências mais herméticas da “poesia pura”. Depois dessa primeira experiência poética, Pavese passou a dedicar-se quase exclusivamente à prosa, como em Diálogos com LeucóContinue lendo

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Literatura

Partitura literária

14 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Frans Krajcberg, Sem Título.

a pedra lisa tem

escamas

 

O interessante livro Totens, de Sérgio Medeiros, foi semifinalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, na categoria Poesia. Seu trabalho desenvolve-se a partir de um inusitado entroncamento, que ele encontra entre a poesia e a antropologia.

Totens reúne dois dos trabalhos mais recentes de Sérgio Medeiros: “Enrique Flor”, que recria uma passagem do Ulysses de Joyce, em que aparece o músico português Flor, especialista em “música vegetal”; o segundo trabalho, “Os eletoesqus”, reinventa uma lenda da fronteira do Brasil com o Paraguai sobre um totem que é o bafo do verão, um sopro ardente.

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cinema

A enorme carga dos sonhos

13 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um visionário cuja obsessão é construir uma casa de ópera no coração da floresta amazônica: a cena clássica é a transposição de um pequeno navio montanha acima. O cinema de Herzog é inconfundivelmente poético. Seu lirismo é metafórico, de maneira extravagante, porém precisa.

Fitzcarraldo é a história de um sonho, de sua impossibilidade e de sua realização. Drama que as próprias filmagens reverberaram, em si mesmas, na sua intimidade. A conquista do inútil é o diário que Werner Herzog manteve durante as filmagens, Continue lendo

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Artes Plásticas

Posteridade, presente

12 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O crítico e historiador da arte Hal Foster é conhecido por suas reflexões sobre as vanguardas artísticas do pós modernismo. Em O retorno do real, propôs um modelo das recorrências históricas das vanguardas, em que reconhece um movimento cíclico, no qual as vanguardas sobrepõem-se, colocando-se em relação a inevitáveis falhas das anteriores. Para Foster, esses ciclos são complementares, não opostos. Analisando os modelos críticos na arte e na teoria a partir de 1960 por meio de uma nova narrativa da vanguarda histórica e da neovanguarda, ele argumenta que a vanguarda retorna para nós do futuro, reposicionada por práticas inovadoras do presente. Segundo Foster, vivenciamos, agora, um retorno ao real, em que arte e teoria voltam-se para a materialidade de corpos reais e de lugares concretos. O livro, originalmente publicado em 1996, agora é lançado no Brasil pela Cosacnaify, com tradução de Célia Euvaldo e texto de orelha de Sônia Salzstein.

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matraca

Uma chama afirmativa

11 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Boa publicação da Companhia das Letras – uma das poucas no Brasil que contempla o poeta, lançada pela primeira vez em 1986 e reeditada no ano passado –, esta edição bilíngue traz cinquenta dos principais poemas de W. H. Auden, traduzidos por José Paulo Paes e João Moura Jr. o livro é composto por textos escritos desde 1927, quando ele primeiro definiu publicamente suas posições estéticas no que ficou conhecido como “O Manifesto de Oxford Poetry”, até 1973, ano da morte do poeta. Selecionados por João Moura Jr., os textos procuram apresentar um panorama que abarque, conforme disse o organizador, “na medida do possível, as várias fases da obra poética de Auden, que foi um poeta prolífico”. A poesia de Auden partiu da experiência do modernismo, aproveitando a contribuição de Ezra Pound e T. S. Eliot, porém afastando-se do viés reacionário político expresso por ambos para expressar-se numa linguagem pessoal – que todavia não torna-se alheia às grandes questões de sua época. Além da tradução dos poemas, José Paulo Paes escreveu, para esta antologia, um estudo introdutório sobre a vida e sobre a poética do autor. O volume conta ainda com um interessante ensaio a respeito de Auden escrito pelo poeta russo Joseph Brodsky.

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Artes Plásticas

Retrospectiva contemporânea: sobre arte e tempo

10 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Um livro dedicado a realizar uma retrospectiva do trabalho da artista plástica Laura Vinci. Dedicada ao desenvolvimento de instalações desde 1997, a artista tem como um dos fios condutores de seu trabalho reflexões sobre o tempo e a transitoriedade, quer da própria matéria, quer enquanto reflexão histórica e consequente maneira de pensar a contemporaneidade.

Editado pela Coscnaify, o livro apresenta, além das monumentais instalações exibidas em importantes museus e centros culturais, também as mais relevantes intervenções feitas pela artista em espaços públicos. Laura Vinci enfatiza a transitoriedade presente nos trabalhos através de legendas aos registros fotográficos; Continue lendo

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matraca

Imagem e pensamento

7 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“Goya não é somente um dos principais pintores de sua época: é também um dos pensadores mais profundos daquele período.”

Tzvetan Todorov, semiólogo e historiador de origem búlgara, em Goya à sombra das luzes analisa a influência da filosofia iluminista e as consequências de uma doença na obra do artista Francisco Goya. O livro acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Joana Angélica d’Avila Melo.

Em entrevista, publicada no jornal Corriere della Sera, Todorov afirmou: “Como Goya, temo o messianismo político”. Para o autor, Goya foi “um intelectual que conseguiu refletir de modo profundo sobre o que acontecia ao seu redor”; segundo sua análise, “ele era muito influenciado pelos iluministas espanhóis do final do século XVIII e assistiu à invasão da Espanha do lado das tropas napoleônicas que combatiam, pelo menos teoricamente, em nome dos direitos humanos e dos ideais das Luzes. O espetáculo das atrocidades cometidas tanto pelos franceses quanto pelos guerrilheiros espanhóis o fez refletir sobre a guerra. Foi assim, antecipadamente aos seus tempos, que podemos considerá-lo como um contemporâneo”.  Continue lendo

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Literatura

Humor magistral

6 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Obra-prima da literatura satírica, misto de realismo mágico, comédia de costumes, história de amor e crítica social e política, O Mestre e a Margarida foi escrito em segredo, nas sombras do período mais violento da repressão de Stálin. Bulgákov começou a trabalhar no romance em 1928 e, doze anos mais tarde, morreu sem ver a obra publicada. O livro só foi publicado duas décadas após a morte do autor. A complexa trama parte da aparição, num entardecer quente de primavera, do diabo em plena Moscou, a capital de uma suposta utopia racionalista que promovia o ateísmo. O demo, acompanhado de figuras esquisitas que incluem um imenso gato preto adepto do xadrez, da vodca e das armas de fogo, ingressa nos círculos literários locais e envolve-se com o mestre, um escritor perseguido pelo governo e pelos intelectuais por ter publicado um romance sobre os últimos dias da vida de Jesus.

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Crítica Literária

Minuciosas ressonâncias

5 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Sob o título Pelo prisma russo, esta coletânea de ensaios do historiador Joseph Frank desvela uma compreensão profunda da literatura e da história russas. Joseph Frank, que morreu em fevereiro do ano passado, foi professor emérito de Literatura Comparada da Universidade de Princeton e professor de Literatura Comparada e Língua e Literatura Eslava da Universidade de Stanford. Estudioso da obra de Dostoiévski, ficou famoso por ter escrito uma extensa biografia sobre o autor, para a qual foram necessários cerca de trinta anos de pesquisa, condensados em cinco grande tomos – no Brasil, publicados também pela Edusp; para Frank, a genialidade de Dostoiévski encontra-se na abordagem de grandes questões da humanidade enquanto acontecimentos da sua contemporaneidade, sem jamais reduzir seus personagens a “um fenômeno da realidade, dotado de traços típico-sociais”, mas, ao contrário, concentrando neles singularidades psicológicas, através de seu “incomparável dom para o retrato psicológico”.

Em Pelo prisma russo, o interesse de Joseph Frank pela obra de Dostoiévski forma o núcleo principal a partir do qual irradiam-se os ensaios da coletânea, como um filtro, Continue lendo

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Do assassinato de Leon Trotski

3 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ótimo lançamento da editora Boitempo, a premiada obra O homem que amava os cachorros, escrita pelo cubano Leonardo Padura é e não é uma ficção. A história retoma os últimos anos da vida de Leon Trotski, seu assassinato e a história de seu algoz, o catalão Ramón Mercader, o homem que empunhou a picareta – um personagem sem voz na história mas que recebeu, como militante comunista, esta única tarefa: eliminar Trotski, o teórico russo e comandante do Exército Vermelho durante a Revolução de Outubro, que fora exilado por Joseph Stalin. São descritas a adesão de Mercader ao Partido Comunista espanhol, o treinamento em Moscou, a mudança de identidade e os artifícios para ser aceito na intimidade do líder soviético, numa série de revelações que preenchem uma história dissimulada e mistificada.

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Somente a morte é passageira

28 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Alberto Szpunberg é um poeta argentino. Recebeu na Espanha o Prêmio de Poesia da Universidade de Alcalá, em 1983, e, em 1994, o Prêmio Internacional de Poesia Antonio Machado. Sua obra já foi traduzida para o polonês, alemão, tcheco e francês.

A editora argentina Entropía acaba de lançar em um volume sua poesia reunida, sob o título Como sólo la muerte es pasajera. Segundo o poeta Juan Gelman, “a obra reunida de Alberto Szpunberg mostra como sua poesia se ramificou como uma árvore de esplêndida folhagem de galhos consistentes. Este grande poeta consegue desbravar os lados mais obscuros da palavra que vem do real e ele a devolve carregada de beleza e de verdade. Essa publicação é um acontecimento que nenhum amante da poesia pode relevar. Seria um esquecimento imperdoável de si mesmo”.

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Desdobramentos do realismo

27 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Novos Realismos, organizado por Izabel Margato e Renato Cordeiro Gomes, põe em questão o conceito de realismo na literatura, analisando suas novas elaborações e desdobramentos contemporâneos. O livro é composto por diversos textos em que são discutidas as novas configurações que caracterizam o realismo nas obras literárias escritas a partir da segunda metade do século XX, propondo uma análise que articule a história do realismo na arte às suas novas concepções e às maneiras de sua inovação.

Na orelha do livro  Mariana Nascimento escreve – “Com abordagens distintas, este livro recupera o debate sobre as expressões artísticas que de algum modo se articularam com as dimensões do realismo. Partindo das proposições de Marcel Gromaire, de que o real não está circunscrito apenas ao domínio da nossa mão ou da nossa vista, mas compreende também o âmbito do nosso espírito e o que ainda não é do nosso espírito, foi proposta aos autores uma análise mais ampla do conceito de real e consequentemente das formas de arte realista”. Continue lendo

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Um tempo ininterrupto de linguagem

26 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Invenção de Orfeu, escrito em 1952, é um dos grandes poemas da língua portuguesa e testamento literário de Jorge de Lima, considerado o mais imagético dos poetas brasileiros. Retomando o antigo mito de Orfeu, o poema, mistura de épico e lírico, reflete sobre a criação artística, através de imagens poderosas e estranhas, em versos de musicalidade única que dialogam com a lírica de Camões.

Em parceria, as editoras CosacNaify e Jatobá, homenageando a data de sessenta anos de morte do poeta alagoano, publicaram no final do ano passado esta edição especial, que conta com texto e posfácio de Fábio de Souza Andrade – professor da USP –, além de ensaios de Murilo Mendes, João Gaspar Simões e Mário Faustino. A edição traz ainda documentos inéditos: datiloscritos anotados pelo autor, carta de Ezra Pound e reproduções de época.

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