Arquivos da categoria: matraca

Breves resenhas diárias.

cinema

Cinema político e poético

4 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

fotografia: Abbas Kiarostami

Reeditado no final do ano passado, o livro Abbas Kiarostami é a primeira publicação no Brasil consagrada ao diretor iraniano. O volume reúne mais de cinquenta fotos realizadas no Norte do Irã, três textos de autoria do próprio Abbas Kiarostami, além da relação completa de sua filmografia, comentada. Os textos foram separados numa seção intitulada “Duas ou três coisas que sei de mim”, que compreende: “Fotografia e natureza”, no qual o diretor fala sobre sua atividade fotográfica, sobre suas concepções sobre a arte do enquadramento e sobre a paixão pela natureza; “No trabalho”, uma autobiografia, desde a fundação do departamento cinematográfico estatal Kanun até a concepção de seus longas-metragens; “Uma boa boa cidadã”, crônica emocionante sobre a “perseguição” do cineasta a uma menina de rua na Avenida Paulista, que remexe as lixeiras à procura de comida; e, por fim, quatro poemas inéditos.

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matraca

Ali repousa o poeta

3 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Poética

conciso? com siso

prolixo? pro lixo

 

O poeta José Paulo Paes foi mestre da concisão precisa, própria dos epigramas, aquele tipo de poema curto e mordaz cuja matéria-prima é uma atenta observação do mundo e do ser humano.

Modesto, discreto, estóico, irônico – em sua vida e em sua poesia. Rodrigo Naves, no prefácio à antologia, conta que “José Paulo Paes (1926-1998) era um homem avesso a ênfases – no escrever, no falar, no proceder. Detestava chamar atenção, e seu comportamento discreto era, em um homem constante, talvez a constância predominante. Em situações sociais parecia se ocupar sobretudo com sua bengala…”. Com uma fina auto-ironia, José Paulo Paes declarou, por exemplo, ser o poeta mais importante da sua rua: “Mesmo porque a minha rua/ é curta”. Ele não se colocava entre os grandes mestres da poesia brasileira: “quando penso que alguém da grandeza de Manuel Bandeira se considerava um poeta menor, que mais posso ser senão um mínimo poeta?”. O crítico Davi Arigucci Jr. pontua: “Na poesia como na vida, José Paulo Paes optou sempre pela discrição e o comedimento de quem desconfia das exaltações visionárias e das certezas inabaláveis. Ao seu primeiro livro, deu o título O Aluno. Seu último poema, escrito na véspera da morte, chama-se ‘Dúvida’. Ser poeta para ele era um modo de continuar até o fim sua busca de aprendiz”.

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Literatura

Leitura alegórica da linguagem transparente

31 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

 

 

“A descoberta não me espantou e

tampouco me surpreendi ao retirar

do bolso o dono do restaurante”.

 

 

Murilo Rubião foi um autor que preferiu reescrever exaustivamente seus textos, a produzir uma obra extensa. Publicou 33 contos, que a Companhia das Letras reuniu nesta antologia. Sua literatura é conhecida pelo caráter absurdo que imiscui-se ao cotidiano – seus personagens lidam com o fantástico com a mais pura naturalidade. Nas palavras de Jorge Schwartz, na literatura de Rubião “acontecimentos referencialmente antagônicos e inconciliáveis conciliam-se tranqüilamente pela organização da linguagem. Dragões, coelhos e cangurus falam, mas não há mais o clássico “enigma” a ser desvendado no final”. Para Schwartz, “o fenômeno fantástico de sua escrita é justificado na medida em que há a percepção dos níveis simbólicos e alegóricos de significação”, e as simbologias despertadas em seus contos, segundo o crítico fazem com que o elemento extraordinário não seja “a presença dos dragões no meio humano, mas a condição do meio e das relações nele criadas. Aqui um paralelismo possível com as obras de Kafka. Na Metamorfose o fantástico deixa de ser Gregório, convertido em monstruosa barata e fantásticas são as reações da família diante do fato. Em Murilo e Kafka, o código social possibilita a leitura ideológica e não se trata de simples recriação na leitura do fantástico”.

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matraca

Presença de uma ausência

30 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Como sugere o título, neste livro são analisadas três categorias centrais do pensamento benjaminiano – rastro, aura e história. O livro é fruto de um trabalho produzido coletivamente pelo Núcleo Walter Benjamin, coordenado por Georg Otte e Élcio Cornelsen, entre outros, e que, desde 2006, vem dedicando-se a pesquisar e divulgar os trabalhos do pensador alemão. Em forma de ensaios são reunidos, nesse volume, as principais comunicações proferidas durante o segundo Colóquio Internacional do núcleo, realizado em 2010 na Universidade Federal de Minas Gerais e intitulado “Spuren: rastros, traços, vestígios”. O livro conta ainda com preciosas contribuições de convidados, o que o torna amplo e diversificado. Há reflexões teóricas exclusivamente benjaminianas, tais como as de Rolf-Peter Janz e de Jeanne Marie Gagnebin, que, num viés filosófico, procuram delimitar os conceitos de aura e de rastro. Há trabalhos comparativos que estabelecem relações entre Benjamin e outros pensadores. Há ainda trabalhos que relacionam conceitos e formulações de Benjamin usados na abordagem de diferentes realidades, como Márcio Seligmann-Silva, que usa o conceito de rastro para abordar a obra da artista plástica Regina Silveira, ou Willi Bolle, que procura ler a cidade de Belém a partir dos mesmos protocolos que Benjamin mobiliza para ler Paris, na obra das Passagens.

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Literatura

Sátira e censura

29 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Mikhail Bulgákov (1891-1940) foi um dos maiores autores russos do século XX e um dos intelectuais que sofreram dura perseguição da censura vigente no país durante o regime de Stalin. Em meio ao domínio, exigido pelo governo, de uma literatura realista-socialista, Bulgákov misturava o fantástico à sátira, bruxas e diabos a burocratas e espiões. Mais conhecido por seu romance O Mestre e Margarida, o autor deixou a medicina pela literatura. Graças à sua verve satírica, suas narrativas e peças de teatro tornaram-se rapidamente populares e, o autor, implacavelmente censurado.

O diabo solto em Moscou é um estudo biográfico de fôlego sobre Bulgákov, feito pelo estudioso da literatura russa e tradutor Homero Freitas de Andrade – professor no Departamento de Línguas Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O livro conta também com uma ótima antologia de contos e novelas, escritos entre 1919 a 1929, reunidos pela primeira vez em português, traduzidos por Andrade diretamente do russo. Continue lendo

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matraca

Anatomia da melancolia

28 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A anatomia da melancolia, de Robert Burton, obra de grande repercussão escrita no século XVII, define a melancolia como “um tipo de loucura sem febre, tendo como companheiros o temor e a tristeza, sem nenhuma razão aparente”. A editora da Universidade Federal do Paraná publicou, pela primeira vez no Brasil, uma cuidadosa tradução da obra integral, feita por Guilherme Gontijo Flores, professor de latim na mesma universidade. Os quatro volumes reúnem quase duas mil páginas, entre as quais, centenas dedicadas às notas da edição brasileira, nas quais se encontram citações e referências a uma verdadeira multidão de autores, desde poetas clássicos tais como Virgílio e Horácio, prosadores como Juvenal, Tucídides e Apuleio, a Bíblia e Santo Agostinho, até inúmeros tratadistas, versejadores, viajantes, comentadores, médicos e santos.

Ao longo do livro, a melancolia é apresentada como uma doença de múltiplas definições, inumeráveis efeitos e causas divididas em várias camadas. Burton, que não era médico, mas erudito, procurou organizar o conhecimento sobre a doença com a divisão da obra em quatro partes. As causas da melancolia e as curas para a doença ganham um volume cada, com muitas subdivisões, entre membros, partes e seções, que justificam o título de “anatomia”.

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Literatura

Inglório

27 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro Páginas sem glória, de Sérgio Sant’Anna, reúne dois contos e uma novela: respectivamente, “Entre as Linhas”, “O milagre de Jesus” e “Páginas sem glória”. O autor é conhecido pelo alto nível intelectual e artístico.

Após ter sido anunciado vencedor do Prêmio Jabuti no ano passado, na categoria de contos, Páginas sem glória foi desclassificado, pois um de seus contos presentes do livro já havia sido publicado. Em seu lugar, Diálogos Impossíveis, de Luis Fernando Verissimo , ficou com a primeira posição. A desclassificação foi no mínimo deselegante, pois a verificação de incompatibilidade com o regulamento do prêmio poderia ter sido feita antes do julgamento final e do anúncio dos vencedores. O jornal O Estado de S. Paulo publicou a seguinte opinião de Sant’Anna: “É uma bobagem. Uma porção de livros sai com textos que já foram publicados em outros títulos. Mas paciência”.

O escritor Breno Kümmel, em resenha publicada no Jornal Rascunho, aponta a dimensão da relevância do trabalho de Sant’Anna: “Sérgio Sant’Anna está entre os autores mais interessantes e importantes da literatura brasileira, sendo possível até deixar de complementar esta última expressão com o esperado adjetivo “contemporânea”. Continue lendo

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cinema

Livro-roteiro

24 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O palhaço, escrito por Selton Mello e Marcelo Vindicatto, é um dos poucos roteiros cinematográficos publicados no mercado editorial brasileiro. O roteiro do filme foi publicado pela editora Ouro sobre Azul com “a intenção de contribuir para uma mudança de expectativa tornando permanente aquilo que é efêmero, dando ao leitor recursos para compreender melhor o processo de trabalho em cinema”. Como diz o coautor Selton Mello, na publicação do roteiro o intuito foi “eternizar o roteiro como ele é, sem as alterações que aconteceram nos ensaios ou na montagem. Assim, o leitor mais atento vai perceber o que foi cortado, o que foi mudado de lugar na hora da finalização”.

O filme foi escolhido para representar o Brasil na premiação do Oscar em 2013, concorrendo na categoria de melhor filme estrangeiro. Foi vencedor em doze categorias do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, entre as quais, “Roteiro Original”, para Marcelo Vindicatto e Selton Mello, “Ator Coadjuvante” para Paulo José e “Ator e Diretor”, para Selton Mello. O filme também venceu os prêmios de Melhor Filme e de Fotografia do 38º Festival SESC Melhores Filmes de 2011.

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Literatura

Fictício; imaginário

23 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O que é o ficcional? Qual o jogo de oscilação entre imitação e simbolização numa obra literária? Qual a interação entre o fictício e o imaginário? Wolfgang Iser desenvolve a complexa questão da ficcionalidade e suas implicações antropológicas, localizando-a na imbricação entre a teoria literária – através da análise das literaturas clássica e renascentista inglesas, principalmente – e a teoria do conhecimento – pelo diálogo com a filosofia moderna e pela identificação da tematização da ficção no discurso filosófico, num panorama histórico que vai de Bacon a Vaihinger, passando por Sartre e Castoriadis. Sua investigação tem, como aplicação, um dos pontos culminantes na análise da literatura fantástica, “que converte a fantasia em realidade e a realidade em um território conquistado da fantasia”, representando portanto um nó da questão da mobilização do imaginário, no ato de leitura, uma vez que a fantasia reorganiza e inverte o real. Segundo Iser, “se há uma ‘lógica do imaginativo’, ela existe sobretudo como a suspensão de uma consciência focalizante, cujos vestígios só podem ser encontrados nas formas bizarras da fantasia que a inundam”. Sua interessante argumentação, nesse sentido, baseia-se na análise do monólogo de Beckett, Imagination Dead Imagine: “[…] no ato imaginativo inscreve-se sua autossuspensão, pois ele deve se apresentar como o ser extinto daquilo que é. O componente da consciência, portanto, não indica mais do que a mera direção e reduz-se em seus efeitos, pois se trata de imaginar a autossuspensão de um ato imaginativo”.

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Literatura

Um acesso aos lugares mais remotos

22 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

– página do manuscrito original de “Murphy”

“O sol brilhava, sem alternativa, sobre o nada de novo”.

Murphy foi o primeiro romance de Samuel Beckett; escrito na década de 1930, antecipa aspectos que foram aprofundados ao longo de sua obra. Publicado no Brasil pela Cosacnaify, o livro conta com posfácio escrito por Nuno Ramos e foi traduzido por Fábio de Souza Andrade, também responsável pelas notas. Murphy representa, na obra de Beckett, “uma versão mais ramificada e menos concentrada de algumas de suas obsessões filosóficas e temáticas persistentes”, como analisa o tradutor – que, além de renomado estudioso da obra beckettiana, é também o tradutor das peças Fim de Partida, Dias Felizes e Esperando Godot, além do ensaio Proust, todos publicados pela Cosacnaify.

Conforme apontado em um artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo por ocasião do lançamento da tradução, Fábio de Souza Andrade analisa que “não se pode falar de minimalismo no Beckett inicial, ao menos não em Murphy. Rigor, sim, mas aqui ainda estamos no universo das multiplicações de mundos e possibilidades, processo de fragmentação e montagem experimental característicos do modernismo heroico” Continue lendo

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matraca

Não espere nenhuma resposta

21 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Walter Benjamin cita, em uma passagem do texto “Que é o teatro épico?”, a seguinte análise de Bertold Brecht: “O fato de que o homem pode ser conhecido de determinado modo engendra um sentimento de triunfo, e também o fato de que ele não pode ser conhecido inteiramente, nem definitivamente, mas é algo que não é facilmente esgotável, e contém em si muitas possibilidades (daí sua capacidade de conhecimento) é um sentimento agradável”. A respeito dessa análise, Benjamin conclui: “Quando o fluxo da vida é repassado, imobilizando-se, essa interrupção é vivida como se fosse um refluxo: o assombro é esse refluxo. […] Mas, se a torrente das coisas se quebra no rochedo do assombro, não existe nenhum diferença entre uma vida humana e uma palavra”.

Brecht conseguiu conferir uma instância moral ao palco, articulá-lo às condições reais do corpo social, com assombro. Em suas poesias, menos comentadas do que suas peças, Brecht também desvela situações com a veemência de seu pensamento crítico e com sua ironia desmistificadora. Sua poesia, assim como seu teatro, é, a um só tempo, “lírica e política”, para usar novamente as palavras de Walter Benjamin.

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Literatura

Tradução é criação

20 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Haroldo de Campos, foto: Eder Chiodetto

O livro Transcriação reúne escritos esparsos de Haroldo de Campos, publicados nos seus livros de ensaios e em suas traduções de poesia. A antologia cobre o âmago da poética da tradução desenvolvida por Haroldo de Campos. Organizado por Marcelo Tápia e Thelma Médici Nóbrega, o livro conta com dezesseis ensaios, publicados entre 1963 e 1997. A extensão temporal dos ensaios permite o acompanhamento do desenvolvimento da teoria de Haroldo de Campos da abolição da hierarquia entre criação e tradução poéticas. Apenas dois dos ensaios já integravam outras obras e foram incluídos para a manutenção da coesão do livro, que também conta com uma introdução elucidativa de Marcelo Tápia.

A reunião dos ensaios dimensiona a amplitude da busca pela existência sincrônica da obra como criativa e tradutória. Configura-se, assim, como cerne da discussão sobre recriação poética, atividade denominada por Haroldo de Campos transcriação: uma fonte indispensável e inesgotável de descoberta e diálogo fértil no trânsito entre línguas, linguagens, tempos e espaços.

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Literatura

Preciosidade historiográfica e literária

17 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Após dezoito anos esgotado no mercado editorial brasileiro, volta às livrarias o primoroso romance Mina R, de Roberto de Mello e Souza, (1921-2007), irmão do crítico literário Antonio Candido. O livro foi publicado no ano passado pela Ouro sobre Azul, fora editado em 1973 pela Duas Cidades e, em 1995, pela Record. A nova edição traz como apêndice quatro críticas elogiosas, escritas por Boris Schnaiderman – segundo quem, Mina R é “um livro cuja ausência em nossas livrarias, esses anos todos, era uma prova pungente de nossa miséria cultural” –, Berta Waldman, Giuseppe Carlo Rossi (especialista italiano em língua e literatura portuguesa e brasileira) e Manuel da Costa Pinto.

O livro destaca-se por sua desenvoltura literária e por ser uma das poucas obras de ficção sobre a Segunda Guerra Mundial. As situações e personagens do romance foram reinventados, porém com respaldo histórico baseado na própria vivência do autor, que integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e participou na Campanha da Itália em um batalhão encarregado de desarmar minas. A mina R que dá título ao livro é um tipo de artefato que continha 5 kg de dinamite e um poder de impacto de 180 kg, considerado na época como o mais perigoso de todos: o livro narra o enfrentamento do protagonista com essa arma letal. “Acho que quando você desarma mina a guerra fica sendo só sua e que cada mina é uma guerra que você ganha. Sozinho”, diz o narrador.

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história

Uma leitura histórico-social do texto literário

16 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

A leitura minuciosa de um conto, de um poema, de um romance, concentram em si sínteses históricas sob a pena erudita de Alfredo Bosi.

O livro Entre a literatura e a história, reúne cerca de quarenta textos, entre ensaios inéditos, entrevistas, prefácios e artigos de intervenção que versam sobre a literatura brasileira romântica, moderna e contemporânea, sobre as vanguardas latino-americanas, sobre Vico e também Leopardi. O volume conta ainda com uma série de textos em que Bosi revê etapas de sua própria formação, traçando o perfil de intelectuais como Otto Maria Carpeaux – sobre quem Bosi afirma ter seguido a esteira, examinando “as relações dialéticas entre ideologia e poesia e ideologia e narrativa, o que lhe abriu caminho para o seu conceito de literatura como resistência” –, Celso Furtado, entre outros, e discute questões contemporâneas, como, por exemplo, os desafios da educação no Brasil, ou a necessidade da poesia hoje: “A poesia seria hoje particularmente bem-vinda porque o mundo onde ela precisa subsistir tornou-se atravancado de objetos, atulhado de imagens, aturdido de informações, submerso em palavras, sinais e ruídos de toda parte”. A crítica literária e o pensamento sobre a literatura encaminham, assim, análises profundas, sobre a sociedade, sobre a história, enquanto trajeto e enquanto presente: uma leitura histórico-social do texto literário.

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matraca

Lúcido catastrofismo

15 janeiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Fayga Ostrower – Litogravura

Em sua essência, a poesia é algo horrível:

nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro de nós,

e piscamos os olhos como se atrás de nós tivesse saltado um tigre,

e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris.”

– Czesław Miłosz, Ars Poetica.

 

 

A poesia de Czesław Miłosz é, a um só tempo, reflexiva e discursiva. Uma poesia que prima por uma disciplina clássica e pela exata objetivação da emoção lírica, mas que o faz através da ironia e da linguagem simples, oral. O poeta polonês consegue sintetizar a experiência humana com uma retórica que desafia as inconstâncias do diálogo interior e desmascara os mecanismos da manipulação política. Sua poesia é parte do mundo em que vive.

No Brasil, há uma antologia de suas poesias, publicada em 2003 pela Edunb, intitulada Não mais. A tradução foi feita por Marcelo Paiva de Souza e Henryk Siewiersk. Uma pequena porém rica coletânea bilíngüe – polonês-português –, que faz parte da série “Poetas do mundo”, que a Universidade de Brasília vem publicando para divulgar poetas relevantes e pouco traduzidos no Brasil. Em uma apresentação escrita sobre o livro, a professora Regina Przybycien, do curso de pós-graduação de letras da UFPR, fala sobre a introdução dos tradutores, na qual eles lembram “que Milosz é um poeta do concreto (não um poeta concreto), isto é, insere-se no grupo daqueles que “entendem o ofício poético como mimese e o praticam numa incessante perseguição do real” . A professora traça uma breve análise do poeta: “Paradoxalmente, talvez, para um poeta que não gosta de abstrações, os temas de Milosz são profundamente filosóficos (e às vezes teológicos) […]. Como poeta polonês do século XX, Milosz viveu a experiência das guerras, dos autoritarismos e do exílio (destino comum de grande parte dos intelectuais seus conterrâneos), experiências que marcam profundamente sua poesia, refletindo-se em temas como a tensão entre vida e arte: o efêmero e o horrível da vida contrastando com o permanente e o belo da arte. O poeta, no entanto, não glorifica facilmente a arte. […] Poeta do seu século e da sua cultura, Milosz tem os pés bem no chão, o chão minado da Europa Central com suas tragédias sangrentas”.

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