Ótimo lançamento da editora Boitempo, a premiada obra O homem que amava os cachorros, escrita pelo cubano Leonardo Padura é e não é uma ficção. A história retoma os últimos anos da vida de Leon Trotski, seu assassinato e a história de seu algoz, o catalão Ramón Mercader, o homem que empunhou a picareta – um personagem sem voz na história mas que recebeu, como militante comunista, esta única tarefa: eliminar Trotski, o teórico russo e comandante do Exército Vermelho durante a Revolução de Outubro, que fora exilado por Joseph Stalin. São descritas a adesão de Mercader ao Partido Comunista espanhol, o treinamento em Moscou, a mudança de identidade e os artifícios para ser aceito na intimidade do líder soviético, numa série de revelações que preenchem uma história dissimulada e mistificada.
Arquivo do autor:Isabela Gaglianone
Somente a morte é passageira
Alberto Szpunberg é um poeta argentino. Recebeu na Espanha o Prêmio de Poesia da Universidade de Alcalá, em 1983, e, em 1994, o Prêmio Internacional de Poesia Antonio Machado. Sua obra já foi traduzida para o polonês, alemão, tcheco e francês.
A editora argentina Entropía acaba de lançar em um volume sua poesia reunida, sob o título Como sólo la muerte es pasajera. Segundo o poeta Juan Gelman, “a obra reunida de Alberto Szpunberg mostra como sua poesia se ramificou como uma árvore de esplêndida folhagem de galhos consistentes. Este grande poeta consegue desbravar os lados mais obscuros da palavra que vem do real e ele a devolve carregada de beleza e de verdade. Essa publicação é um acontecimento que nenhum amante da poesia pode relevar. Seria um esquecimento imperdoável de si mesmo”.
Desdobramentos do realismo
Novos Realismos, organizado por Izabel Margato e Renato Cordeiro Gomes, põe em questão o conceito de realismo na literatura, analisando suas novas elaborações e desdobramentos contemporâneos. O livro é composto por diversos textos em que são discutidas as novas configurações que caracterizam o realismo nas obras literárias escritas a partir da segunda metade do século XX, propondo uma análise que articule a história do realismo na arte às suas novas concepções e às maneiras de sua inovação.
Na orelha do livro Mariana Nascimento escreve – “Com abordagens distintas, este livro recupera o debate sobre as expressões artísticas que de algum modo se articularam com as dimensões do realismo. Partindo das proposições de Marcel Gromaire, de que o real não está circunscrito apenas ao domínio da nossa mão ou da nossa vista, mas compreende também o âmbito do nosso espírito e o que ainda não é do nosso espírito, foi proposta aos autores uma análise mais ampla do conceito de real e consequentemente das formas de arte realista”. Continue lendo
Um tempo ininterrupto de linguagem
Invenção de Orfeu, escrito em 1952, é um dos grandes poemas da língua portuguesa e testamento literário de Jorge de Lima, considerado o mais imagético dos poetas brasileiros. Retomando o antigo mito de Orfeu, o poema, mistura de épico e lírico, reflete sobre a criação artística, através de imagens poderosas e estranhas, em versos de musicalidade única que dialogam com a lírica de Camões.
Em parceria, as editoras CosacNaify e Jatobá, homenageando a data de sessenta anos de morte do poeta alagoano, publicaram no final do ano passado esta edição especial, que conta com texto e posfácio de Fábio de Souza Andrade – professor da USP –, além de ensaios de Murilo Mendes, João Gaspar Simões e Mário Faustino. A edição traz ainda documentos inéditos: datiloscritos anotados pelo autor, carta de Ezra Pound e reproduções de época.
Narrativas licenciosas
Na alcova, livro concebido e organizado por Samuel Titan Jr., reúne três histórias de três autores franceses, Guilleragues e Crébillon e Denon, escritas entre o último terço do século XVII e o começo do século XIX, todas com temas licenciosos, não propriamente libertinos. As histórias foram traduzidas por Samuel Titan Jr. e o livro conta com um interessante posfácio analítico, escrito por ele.
São três histórias eróticas, intrigantes narrativas de amor proibido: “Cartas portuguesas”, de Guilleragues, traz a história de uma freira seduzida por um oficial francês; em “O silfo”, de Crébillon, a heroína procura a solidão do campo para satisfazer suas fantasias eróticas; em “Por uma noite”, de Denon, uma adúltera leva um de seus amantes para sua câmara secreta dos prazeres na propriedade rural do marido.
Imperdoável
Rogério Pereira acaba de ter publicado seu primeiro romance, Na escuridão, amanhã. Segundo o autor, foi gestado durante mais de dez anos. “Mas o longo tempo de gestação não significa rigor, mas incapacidade de encontrar o ritmo adequado a uma história fragmentada de retirantes”, disse Rogério ao jornal Gazeta do Povo. O romance conta a história de uma família de retirantes que parte da roça para a cidade grande, que lhes parece assustadora. No mesmo artigo, Rogério diz: “[…] minhas intenções eram tratar do estranhamento que uma cidade pode causar numa família de retirantes, do silêncio que nos sufoca o tempo todo, da falta de comunicação, da fragilidade das relações familiares, de Deus, do demônio”. A narrativa principia no desvelamento de uma vida emocionalmente opressiva na roça, em que os protagonistas emaranham-se cada vez mais na ausência de comunicação, perseguidos pela ideia de um Deus punitivo e impiedoso; ao migrar para a cidade em busca de vida melhor, porém, a família encontra sua aniquilação. O enredo, pesado por si, marcado pelo misto de raiva e impotência que acompanha o narrador, toca ainda um aspecto perverso com as imagens de abuso sexual e violência doméstica retratadas. Surpreendentemente forte e claustrofóbico, o livro é marcado por uma prosa intimista, rica em detalhes e cadenciada pela cuidadosa construção dos personagens. Uma história densa, a um só tempo sensível e agressiva.
Um belo sentido à escrita
“O poeta está mais próximo do mundo quando carrega em seu íntimo um caos; no entanto, e este foi nosso ponto de partida, sente responsabilidade por esse caos – não o aprova, não se sente bem com ele, não se crê importante por ter em si espaço para tanta coisa contraditória e desconexa, mas odeia o caos e não perde jamais a esperança de dominá-lo em prol dos outros e de si mesmo. Para dizer algo sobre este mundo que tenha algum valor, o poeta não pode afastá-lo de si ou evitá-lo. Tem de carregá-lo em si enquanto caos, a despeito de todas as metas e planejamentos, pois o mundo se move com velocidade crescente rumo à própria destruição. […] Contudo, não se pode permitir sucumbir ao caos, mas, a partir justamente da experiência que dele possui, precisa combatê-lo, contrapondo a ele a impetuosidade de sua esperança”.
– Do ensaio “O ofício do poeta”.
Elias Canetti, prêmio Nobel de Literatura de 1981, foi um dos escritores mais influentes do século XX. Além do premiado romance Auto-de-Fé, escreveu magníficos ensaios, como o denso trabalho de teoria social Massa e Poder – considerado, ao lado de Auto-de-fé, uma das obras magnas das letras no século XX –, ensaios político-literários extremamente lúcidos, como A consciência das palavras e, Continue lendo
não, você não entende, pelo menos agora
“O negócio do mundo é derrubar com o rodopio da vida aqueles que andam soltos… E a gente vai se virando com ele, fazendo força pra girar pro outro lado, torcendo pra tontura passar… Passar, não passa, mas Deus vai colocando as paredes no lugar certo pra apoiar, coloca uns postes… Bom, de vez em quando a gente se desequilibra e dá umas cabeçadas… Olha, parece que é mais difícil morrer do que viver, valha-nos Deus, todo poderoso!”
O interessante livro As visitas que hoje estamos, do mineiro Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira, é composto por centenas de trechos, em sua maioria relatos em primeira pessoa, salvo o roteiro teatral protagonizado pelas personagens Cora e Naum, que interrompe as séries de discursos pessoais. Os fragmentos de discursos em primeira pessoa, espécies de monólogos interiores, aparentam repetições, pois tratam de situações parecidas, normalmente marcadas por questões religiosas e com tratamento linguístico muito similar.
Dos silêncios expressivos
Cornélio Penna (1896 – 1958) foi romancista, além de pintor, gravador e desenhista. Na década de 1930, abandonou as artes plásticas para dedicar-se exclusivamente à literatura. Penna participou da Segunda Fase do Modernismo e criou o realismo psicológico brasileiro. A Menina Morta é considerado um dos romances primorosos da história da literatura no Brasil. O livro, que completa 60 anos em 2014, é composto por histórias caracterizadas por capítulos curtos, desenvolvidas em uma atmosfera de estranheza.
Uma obra que, entre outros temas, fala também da escravidão, escrita em pleno momento desenvolvimentista dos anos 50, no qual a tendência primordial era a de construir uma identidade nacional que fosse pautada pela modernidade e pelo progresso. A menina morta, enquanto interpretação do Brasil, é fragmentária: através sobretudo da voz do narrador, hesitante e escorregadia, pretende encontrar no passado respostas que justifiquem a formação de uma ideia diluída de nação, marcada pela linhagem escravocrata, pela lei patriarcal e pela interdição. Continue lendo
Os paradoxos da corrupção
“O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”.
(Rousseau, na tradução brasileira de Lourival Gomes Machado).
O pensamento de Rousseau abre um abismo entre o ser e o dever ser, onde o dever ser aparece como uma exigência de realização. É assim que Olgária Matos define o Segundo Discurso – Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens – como uma “arqueologia da desigualdade”, termo também utilizado por Bento Prado Jr., em “Rousseau: filosofia política e revolução”.
Tradição e traumatismos
Antonio Candido é um dos mais relevantes intelectuais do país. Dentre suas obras, consideradas estudos críticos fundamentais para a teoria literária, A formação da literatura brasileira é uma referência que vem dando as diretrizes para os estudos de literatura no país, das escolas às universidades. Candido iniciou seus estudos na área de sociologia e essa bagagem teórica conferiu a suas reflexões literárias um dimensionamento mais abrangente. O contrário também pode ser dito: sua tese Os parceiros do Rio Bonito surgiu do desejo de analisar as relações entre literatura e sociedade, partindo de uma pesquisa sobre a poesia popular do Cururu – uma dança cantada do caipira paulista – cuja base é um desafio sobre os mais vários temas, em versos de rima constante, denominada carreira, que muda depois de cada rodada. Continue lendo
Como o brilho da chuva
Essa coisa brilhante que é a chuva, livro de contos de Cíntia Moscovich, foi o vencedor do Prêmio Portugal Telecom na categoria contos/crônicas – na categoria poesia, o vencedor foi Eucanaã Ferraz e na categoria romance, José Luiz Passos. Essa coisa brilhante que é chuva também foi um dos vencedores do Prêmio Literário da Fundação Biblioteca Nacional em 2013 – prêmio em que, na categoria de romance, o vencedor foi Opisanie Swiata, de Veronica Stigger. Esse foi o sétimo livro de Cíntia Moscovich publicado. As narrativas giram em torno sobretudo de laços familiares instáveis, um tema recorrente em sua obra, e de personagens confrontados com as limitações de seus próprios corpos, todos os contos permeados de maneira interessante por temas corriqueiros.
O livro é composto de uma maneira que lembra um longo poema Continue lendo
A antropofagia contra o arcabouço recalcado
Em Oswald canibal Benedito Nunes apresenta o caráter específico da antropofagia oswaldiana como conceito de desmistificação da história escrita e de crítica à sociedade patriarcal a que deram origem os cânones da história; Benedito mostra como Oswald antecipou intuitivamente toda a dialética do Modernismo brasileiro.
Em seu Manifesto Antropofágico, Oswald defendia que o “instinto caraíba” devorasse todas as “consciências enlatadas”, as “escleroses urbanas” e supostas verdades missionárias (segundo a as palavras de Raul Bopp, em Vida e Morte da Antropofagia). Assim ele expôs a necessidade de um confronto que gerasse bases mais independentes para a identidade nacional, pois sua percepção era a que “a nossa independência ainda não foi proclamada”. O manifesto termina apontando a deglutição do bispo Sardinha como um evento-chave; Continue lendo
Inacabado
“Como deixar a marca do seu caminho em um mundo que devora tudo tão rapidamente? Acho que o que persigo é dar voz às pessoas, objetos e lembranças que não teriam espaço no mundo dos grandes espetáculos. Persigo alguma permanência em um espaço em que tudo se dissolve”.
O poeta e jornalista mineiro Donizete Galvão teve durante sua vida sete livros publicados, entre os quais Azul Navalha (1998), que lhe rendeu o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e indicação para o Prêmio Jabuti, e, mais recentemente, O Homem Inacabado (2010), livro que foi finalista do Portugal Telecom e segundo colocado no Prêmio da Bienal de Poesia de Brasília.
Um poeta sensível à brutalidade da vida urbana, que conscientemente fugiu do puro do esteticismo vazio e optou por versos tradicionais, compostos sem o experimentalismo de alguns contemporâneos: “Não sinto essa necessidade imperiosa de ser experimental para estar em sintonia com o caos contemporâneo. No meio dessa avalanche de videoclipes, citações, paródias, me parece que querer desestruturar a linguagem seja mais conservador”, Continue lendo
Amazônia
Amazônia O Povo das Águas é o resultado material de uma pesquisa fantástica do fotógrafo Pedro Martinelli. Além de fotos lindas, o livro traz um trabalho de pesquisa profundo, baseado em muitos anos de imersão do fotógrafo, identificando as principais situações dos povos ribeirinhos.
Pedro Martinelli trabalhou como fotojornalista em vários jornais brasileiros e foi chefe do Estúdio Abril por onze anos. Foi o primeiro fotógrafo a captar uma imagem de um índio paraná Sôkriti, em 1973, na primeira vez em que um membro da tribo ficou frente a frente com um dos expedicionários da expedição pacificadora encabeçada pelos irmãos Villas Bôas no norte de Mato Grosso e sul do Pará. A viagem tinha por objetivo estabelecer o primeiro contato com os índios kranhacarores, que somente anos depois descobriu-se chamarem panarás. Os panarás ocupavam uma área de floresta pela qual passaria a BR-163, a Cuiabá-Santarém. Martinelli foi enviado pelo jornal O Globo para cobrir a épica viagem dos sertanistas e desenvolveu uma forte afinidade com Cláudio, o mais arredio, sagaz e idealista dos irmãos: “Ele foi meu pai de mato”, disse. “Quando conseguimos fazer o contato, um dos índios ficou na minha frente por apenas dois segundos. Bati duas fotos. A primeira saiu fora de foco e a segunda perfeita”, ele lembra. A foto foi tirada em 1973. Vinte e cinco anos depois, porém, Martinelli voltou à aldeia e encontrou uma cidade fantasma. “Nesse ritmo, a Amazônia acabará em 30 anos”. Há registros em seu blog.