matraca

Quando as imagens tomam posição

11 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Para saber é preciso tomar posição. Gesto nada simples. Tomar posição é situar-se pelo menos duas vezes, em pelo menos duas frentes que toda posição comporta, pois toda posição é, fatalmente, relativa.

Hannah Höch, colagem, 1919

A figura do poeta e dramaturgo Bertolt Brecht serve de guia para Georges Didi-Huberman caminhar por entre as encruzilhadas da estética no século XX, através de uma reflexão que perpassa temas como a guerra, o exílio, as vanguardas estéticas e o nascimento da indústria cultural e apresenta questionamentos de romancistas, poetas, filósofos e artistas, para refletir acerca do lugar da imagem e das condições de uma possível política da imaginação. O olho da história [L’oeil de l’histoire], é composto por cinco volumes publicados entre 2009 e 2015. Traduzido por Cleonice Paes Barreto Mourão, o primeiro volume, Quando as imagens tomam posição, acaba de ser publicado pela Editora UFMG.

Continue lendo

Send to Kindle
matraca

A tentação fascista no Brasil

10 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Cartaz de Oswaldo Teixeira (1904-1974)

Lançado no ano passado, A tentação fascista – Imaginário de dirigentes e militantes integralistas, do cientista político e historiador Hélgio Trindade, traz a público a análise de um conjunto de entrevistas inéditas feitas em plena ditadura militar pelo autor, entre maio de 1968 e setembro de 1970, com dirigentes nacionais, regionais, locais e militantes da Ação Integralista Brasileira, AIB.

Segundo Trindade, o Integralismo foi um movimento fascista genuinamente brasileiro. Semelhante às ideologias italiana e alemã, a AIB foi o primeiro partido de massa no Brasil, com militantes por todo o país. Defensor de um nacionalismo exacerbado e antiberal, o partido recusava terminantemente o socialismo e o comunismo e tornou-se porta-voz da resistência conservadora de uma classe que viu-se ameaçada frente a mudanças sociais decorrentes da urbanização e industrialização, em plena crise cafeeira.

Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Os contos reunidos de Dostoiévski

26 setembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“Saí para me divertir, acabei num enterro. Um parente distante. No entanto, conselheiro de colégio. Viúva, cinco filhas, todas donzelas. Só em sapato, o quanto não vai isso!” – Dostoiévski, trecho de “Bóbok”.

“Lua”, xilogravura original de Oswaldo Goeldi, impressa a partir da matriz original.

Os Contos reunidos, de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), foram há pouco publicados pela Editora 34, com traduções, diretas do russo para o português, de Boris Schnaiderman, Paulo Bezerra, Fátima Bianchi, Priscila Marques e outros, sob organização de Fátima Bianchi. A coletânea abrange 28 contos de Dostoiévski, escritos do primeiro ao último ano de sua vida literária. Buscando a fidelidade quanto ao espírito da obra dostoievskiana, a edição compreende uma concepção ampla de “conto”, de modo que inclui também breves novelas, narrativas autônomas dentro de romances e peças jornalísticas com viés ficcional.

Além dos contos mais conhecidos do início de carreira do autor, como “O senhor Prokhártchin”, “Romance em nove cartas” e “Uma árvore de Natal e um casamento”, destaca-se na coletânea a primeira narrativa breve publicada por Dostoiévski, “Como é perigoso entregar-se a sonhos de vaidade” (1846), o conjunto de textos de ficção publicados em Diário de um escritor (periódico editado pelo próprio Dostoiévski entre 1873 e 1881), além das duas versões de “A mulher de outro e o marido debaixo da cama” e “O ladrão honrado” (1848 e 1860).

Continue lendo

Send to Kindle
Resenhas

“A poética do ser e não ser” – Uma radiografia do teatro de animação brasileiro contemporâneo

21 setembro, 2017 | Por Tânia Gomes Mendonça

Detalhe do acervo do Museu Giramundo

Analisando onze textos dramatúrgicos provenientes do Festival de Canela (RS), os quais possuem como pólos a presença e a ausência da palavra, Felisberto Sabino da Costa, na obra A poética do ser e não ser – Procedimentos dramatúrgicos do teatro de animação [Edusp, 2016], nos apresenta as peculiaridades da estrutura dramatúrgica do teatro de animação com relação ao teatro de ator, lançando luz às leis que são próprias da primeira linguagem. Esta perspectiva permite ao leitor conscientizar-se de elementos que devem ser considerados ao apreciar e/ou construir um trabalho focado no teatro de animação.

E qual seria uma das principais particularidades presentes na dramaturgia específica para teatro de animação, diferenciando-a daquela prevista para o teatro de ator? Para o pesquisador, o terceiro elemento presente no teatro de animação, o qual não é composto apenas de ator-plateia, mas, sim, de ator-boneco-plateia – seria um importante aspecto que promove um “processo diferenciado de escritura” (p. 18), já que o dramaturgo escreverá para um ator que animará um objeto, o qual, por sua vez, em seu caráter de (não) animado, é um vir a ser. O objeto “é a ponte que liga o ator-manipulador ao público”.

Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

Branco vivo

25 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“Nunca fui Miguilim. Embora pertença (orgulhosamente) a duas linhagens de capiaus e caipiras, que migraram da roça e vieram se entrelaçar (pelo encontro entre minha mãe e meu pai) na cidade grande, destoando dos meus antepassados, nasci, cresci e sigo forjando minha visão de mundo a partir de São Paulo. Além do mais, entre outros privilégios, disponho dos meus próprios óculos. O que resolve o problema do astigmatismo (um grau em cada olho), mas não serve para o principal: alargar meu ponto de vista urbanoide, letrado, calçado. Nesse caso, é preciso sair do lugar cativo. É preciso buscar a paisagem alheia. É preciso ir até o Mutúm — viajar, afinal, é ver com a pele”.

Araquém Alcântara ["Mais médicos"]

Araquém Alcântara [“Mais médicos”]

Branco vivo é um ponto de vista inusitado e instigante sobre o Brasil. Uma confluência fecunda entre os trabalhos do fotógrafo Araquém Alcântara e do escritor Antonio Lino sobre o Programa Mais Médicos, que, juntos, compõem um livro forte e sensível.

Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

Sobre o sofrimento cotidiano

23 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Odilon Redon

O psicanalista Christian Dunker acaba de lançar o livro Reinvenção da intimidade: políticas do sofrimento cotidiano, pela editora Ubu. Trata-se da reunião de 49 ensaios, que dialogam sobre sofrimento, felicidade, ódio, política, solidão, intimidade; sobre as estratégias cotidianas para lidar com tudo o que nos afeta. Segundo o autor, o livro é “uma investigação sobre as formas de amor, sobre suas interveniências políticas, sobre a possibilidade de ficar junto e separado”. A partir dessa investigação, Dunker desenvolve uma reflexão psicanalítica sobre a experiência de sofrimento, própria da nossa época.

O argumento de Dunker tem como premissa implícita a ideia de que o sofrimento, embora vivido no sujeito, requer e propaga uma política – está submetido a uma dinâmica de poder. O poder é gerado por aqueles que podem reconhecer o sofrimento e por aqueles de quem esperamos legitimidade, dignidade ou atenção, seja o Estado, um médico, um padre ou policial, ou aqueles que amamos. Dessa maneira, as políticas do sofrimento cotidiano sustentam-se em nossas escolhas diante desses agentes de poder, através das maneiras de transformar nosso entorno ou a nós mesmos, das possibilidades de externalizar ou internalizar, construir ou desconstruir afetos, entre outros.

A problemática da rarefação da intimidade e o processo de solidão são intimamente analisados. Ao longo do livro, Dunker ilustra-os com exemplos que nos são corriqueiros, como tendências à hipersocialização, ou impotências para construir situações de real solidão ou intimidade. Continue lendo

Send to Kindle
Literatura

Khadji-Murát

22 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Tipos caucasiano,s representados pelo artista I. Mikeshin

Khadji-Murát, de Lev Tolstói (1828-1910), foi relançado no Brasil, pela editora 34, com a primorosa tradução de Boris Schnaiderman. O volume conta ainda com o ensaio “Tolstói: antiarte e rebeldia”, em que Schnaiderman, fundamentado nos diários do autor e em extenso material crítico, contextualiza, na vida e na obra do escritor, a posição peculiar que Khadji-Murát ocupa na sua produção literária e intelectual.

A obra foi editada postumamente em 1912 e a maior parte dos críticos considera que tenha sido composta entre 1896 e 1904. Boris Schnaiderman sugere que a composição tenha sido mais longa, argumentando que “os rascunhos encontrados após a morte de Tolstói somam 2.166 páginas”. A novela e sua própria forma foram objeto de um profundo embate literário do autor. Em 1893, Lev Tolstói anotava em seu diário que: “A forma do romance acabou”; não tratava-se de derrotismo, mas da consciência do início de uma luta intelectual em busca da criação de uma nova forma literária: a concisão da novela, que mantém a abrangência das múltiplas linhas narrativas dos seus grandes romances. O resultado desse embate é Khadji-Murát, obra-prima de atualidade impressionante.

A novela narra a história verídica do líder rebelde caucasiano Khadji-Murát (1796-1852), em sua luta contra a incorporação da Tchetchênia e do Daguestão pelos russos. A região até hoje é foco de instabilidade política. Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

Impressões de Foucault

17 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Foucault entre José Carlos Castro e Benedito Nunes, professores de Filosofia da Universidade Federal do Pará – fotografia realizada durante a visita de Foucault a Belém, em Novembro de 1976

Acaba de ser lançado, em primorosa edição, Impressões de Michel Foucault, pela interessante editora n-1.

Roberto Machado, professor titular do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, é considerado, tanto no meio acadêmico quanto fora dele, um dos mais brilhantes intérpretes no Brasil das obras de Michel Foucault e Gilles Deleuze, notório sobretudo pela organização de Microfísica do poder. Machado conta que, após ter publicado trabalhos sobre Friedrich Nietzsche, Gilles Deleuze e Marcel Proust, pretendeu “se reinventar pela escrita”, contando a história de sua longa relação com Michel Foucault, vivida nos cursos do Collège de France e nas vindas do filósofo francês ao Brasil. Trata-se, segundo o autor, da união entre “desejo de reflexão e desejo de ficção”, sem detrimento do rigor conceitual.

Como diz Peter Pál Pelbart, no livro, Roberto Machado “conduz o leitor à atmosfera parisiense que rodeava Foucault, povoada de cineastas, escritores, polêmicas e anedotas. Pelas lentes desse filósofo nascido no Recife e radicado no Rio, apreendemos fragmentos da vida pública e privada de um dos mais importantes pensadores do século XX. O que surge daí não é um monumento, mas uma aventura intelectual e vital, graças à capacidade que Foucault possuía de se deslocar, se desprender de si, mudar, surpreender”. Para o filósofo húngaro, trata-se do “testemunho vivo do encontro entre nossos trópicos nem sempre tristes e a efervescência intelectual de uma geração radical de pensadores franceses que marcou definitivamente nossa própria maneira de viver e de pensar”.

Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

Calibã e a bruxa

2 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“Por que depois de quinhentos anos de domínio do capital, no início do terceiro milênio, os trabalhadores ainda são massivamente definidos como pobres, bruxas e bandoleiros? De que maneira se relacionam a expropriação e a pauperização com o permanente ataque contra as mulheres? O que podemos aprender sobre o desdobramento capitalista, passado e presente, quando examinado em perspectiva feminina?” – Silvia Federici.

Bruxa voando sobre uma cabra, gravura de Albrecht Dürer, 1501, British Museum

Calibã e a bruxa – mulheres, corpo e acumulação primitiva, importante livro de Silvia Federici, acaba de ganhar uma cuidadosa edição brasileira, pela tão recente quanto promissora editora Elefante, com tradução realizada pelo Coletivo Sycorax. O livro, publicado originalmente em 2004, é referência incontornável para a análise histórica sobre a integração do corpo feminino e da reprodução biológica na máquina de produção capitalista. A autora detalha como a exploração do corpo feminino é inseparável da lógica capitalista, desde seu surgimento ainda medieval, e mostra como a resistência dos corpos e dos saberes propriamente femininos coexiste necessariamente com sua exploração.

Fundamentada em vasta pesquisa documental, iconográfica e bibliográfica, Federici argumenta que os assassinatos cometidos sob a justificativa da chamada caça às bruxas são um aspecto fundacional do sistema capitalista, uma vez que designou às mulheres o papel de “produtoras de mão de obra”, obrigando-as, pelo terror, a exercer gratuitamente os serviços domésticos necessários para sustentar os maridos e os filhos homens que seriam usados como força de trabalho do sistema nascente.

Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

Aqueles que queimam livros

14 julho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“No lugar em que agora queimam livros, hão-de queimar homens amanhã” – Heine, citado por George Steiner, em Tigres no espelho.

Trabalho da artista Ekaterina Panikanova

George Steiner é autor de tão extensa quanto diversificada obra, abrangendo sobretudos as áreas de filosofia, crítica literária e literatura. Nascido em 1929, em Paris, Steiner ensinou literatura em universidades de todo o mundo e tornou-se conhecido como um humanista pessimista, interrogando a espantosa contradição entre a exuberância do pensamento ocidental e os assassinatos em massa e genocídios praticados por essa mesma cultura, sobretudo em relação aos judeus pelos nazistas alemães – como o nazismo pôde se desenvolver no próprio seio da alta cultura?, pergunta. “Aqueles que queimam livros, que banem e matam os poetas, sabem o que fazem. O poder indeterminado dos livros é incalculável”.

Para Steiner, porém, o pessimismo da análise da história da humanidade tem um remédio otimista: os livros são a nossa chave de acesso para nos tornamos melhores do que somos. É o que discute em Aqueles que queimam livros, que acaba de ser lançado no Brasil pela editora Âyiné, com tradução de Pedro Fonseca.

Segundo o autor, é inquestionável a capacidade da leitura de produzir uma transcendência intelectual, responsável por suscitar discussões, alegorizações e desconstruções sem fim. Tanto, que um livro pode sobreviver em qualquer parte nesta terra, envolvo em um silêncio inquebrantável, e a qualquer momento é possível que seja ressuscitado.

Continue lendo

Send to Kindle
Resenhas

A invenção de Morel

11 julho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada”
– Fernando Pessoa

gravura de Norman Ackroyd, “Island Connemara”

A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares, não é por exagero descrita por Jorge Luis Borges como perfeita. Vertiginoso labirinto metafísico, sua narrativa acompanha o movimento filosófico que a desdobra em representações e reflexões sobre a realidade, distópica e satírica.

Conhecemos-na através do relato em primeira pessoa de um narrador que conta ser um foragido da lei e, por isso, ter-se refugiado em uma ilha, inabitada e desconhecida. O motivo do relato é apresentado logo em suas primeiras linhas, o narrador escreve impulsionado pela necessidade de dar testemunho de um “milagre”: o verão antecipara-se e pessoas repentinamente apareceram naquela ilha, que habitava então há cem dias e onde nunca vira homem algum. Ao avistar os misteriosos visitantes, que vê dançando alegremente em meio ao capinzal cheio de cobras, apavorado, conta ter fugido para os cantos mais recônditos da ilha, de onde então escreve, em meio a pântanos e plantas aquáticas, atazanado por mosquitos, aterrorizado com seu futuro incerto. Anuncia que, caso sobreviva, escreverá uma “Defesa dos sobreviventes” e um “Elogio a Malthus”: “Atacarei, nessas páginas, os exploradores das florestas e dos desertos; provarei que o mundo,  com o aperfeiçoamento das polícias, dos documentos, do jornalismo, da radiotelefonia, das alfândegas, torna irreparável qualquer erro da justiça, é um inferno unânime para os perseguidos. Até agora não consegui escrever nada além desta folha que ontem não previa. São tantas as tarefas na ilha deserta! É tão insuperável a dureza da madeira! Tão mais vasto o espaço que o pássaro movediço!”

Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

Caro fanático

5 julho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Goya, “El sueño de la razón produce monstruos”, Águaforte, 1799. Da série “Caprichos”

Mais de uma luz – Fanatismo, fé e convivência no século XXI, poderoso livro de ensaios do romancista Amós Oz, acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Paulo Geiger. Trata-se da reunião de três ensaios: no primeiro, o autor revê e amplia seu artigo, já clássico, “Como curar um fanático”, defendendo a controvérsia e a diferença, pois, aponta, um fanático nunca entra em debate, reduz sua crítica à aniquilação do diverso, que abomina. O segundo ensaio, inspirado no livro Os judeus e as palavras, sugere uma bela reflexão sobre o judaísmo como eterno jogo de interpretação, reinterpretação, contrainterpretação: o judaísmo, para Amós Oz, é justamente a cultura do questionamento. O terceiro ensaio propõe um diálogo com a esquerda pacifista e sugere o abandono do sonho de um estado binacional como solução para os conflitos entre Israel e Palestina, defendendo a existência de dois estados nacionais diferentes.

Continue lendo

Send to Kindle
história

Triste visionário

30 junho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Lima Barreto, fotografia de 1909

Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), grande escritor brasileiro, cuja vida foi perpassada por dificuldades por ser mulato e filho de uma família pobre, será o homenageado da Festa Literária de Paraty neste ano.

Lima Barreto soube justamente retratar criticamente as injustiças sociais do Brasil e o preconceito de cor do qual também foi vítima, nascido em um país que aboliu a escravidão no exato dia em que o ainda futuro escritor completava sete anos, em 13 de maio de 1888 – mesmo ano em que ficou órfão de mãe. Sua literatura não foi reconhecida durante sua vida. Lima Barreto é conhecido por ter tido uma vida boêmia, solitária e entregue à bebida, pelo que foi internado duas vezes na Colônia de Alienados na Praia Vermelha, em razão das alucinações que sofria durante seus estados de embriaguez. Morreu na pobreza, na doença e no esquecimento.

Durante mais de dez anos, Lilia Moritz Schwarcz mergulhou na obra desta interessantíssima figura da literatura brasileira. Seu profundo estudo biográfico, Lima Barreto: triste visionário, que alia seus olhares historiográficos e antropológicos e abrange o corpo, a alma e os livros do escritor, acaba de ser lançado pela Companhia das Letras. Continue lendo

Send to Kindle
história

Um viajante escritor no tempo das Cruzadas: o itinerário de Benjamin de Tudela

27 junho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Mapa do século XVI da cidade de Hamadan, desenhado por Matrakçı Nasuh.

O itinerário de Benjamin de Tudela é uma das primeiras obras culturais da Idade Média; as notas deste grande viajante e escritor são o primeiro documento conhecido escrito em hebraico.

Nascido no Reino de Navarra, Benjamin de Tudela [c. 1130-1173], ou rabi Benjamin, empreendeu uma jornada de quase dez anos, durante um dos períodos cruciais da história medieval, entre a Segunda Cruzada – que deu início à reconquista da Península Ibérica – e a Terceira – quando Saladino tomou Jerusalém.

Seu diário de viagem, sobretudo pelo texto objetivo e detalhado, é de grande importância cultural e histórica, pois oferece um relato panorâmico em termos geográficos, religiosos, sociais, políticos e comerciais, a respeito de como viviam os povos asiáticos, africanos e europeus no século XII. Sua viagem antecede a de Marco Polo por cem anos e seu interesse, como comenta J. Guinsburg, “nutriu a imaginação de gerações de leitores judeus e deitou frutos inclusive com uma obra clássica nas letras ídiches, Aventuras de Benjamin III, de Mêndele Mokher Sforim, editada em 1878”; a crônica de Benjamin de Tudela “transpôs desde logo os muros dos guetos, difundindo- se em sucessivas edições hebraicas e traduções latinas”. Trata-se de um importante documento de história cultural hebraica e islâmica, bem como de suas respectivas religiões, suas relações com os cristãos na Idade Média e com a diáspora; sua narrativa difunde-se entre os principais expoentes da Ciência do Judaísmo, como também, desde os humanistas do renascimento, na pesquisa acadêmica sobre o universo medieval.

A editora Perspectiva acaba de publicar a primeira tradução para o português do livro do grande sábio sefardita do século XII. Tanto a tradução, como a organização e as notas são de responsabilidade do erudito J. Guinsburg. Continue lendo

Send to Kindle
lançamentos

“tudo é história”

20 junho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Retrato de George Sand, ou Amantine Aurore Lucile Dupin, por Delacroix

O preconceito de gênero reside por entre as linhas de um texto. Cada vez menos, felizmente, ao que parece? Será, um texto escrito por uma mulher, lido de maneira diversa do que se o tivesse sido escrito por um homem? Certamente, no século XIX, assim ainda o era. E não por acaso, uma mulher que utilizou um pseudônimo masculino, justamente para fazer livremente referência os direitos da mulher, especialmente no tocante ao prazer e à igualdade de direitos com relação aos homens, tornou-se um marco na história do romantismo francês:

George Sand foi o pseudônimo escolhido por Amantine Aurore Lucile Dupin, nascida em 1804, em Paris, no seio de uma família aristocrática, e falecida em Nohant, em 1876. Deixou romances e trabalhos memorialísticos que a tornaram um dos maiores expoentes das letras do século XIX, tendo sido a primeira mulher francesa a viver de seus direitos autorais. Ao adotar seu pseudônimo, George Sand havia decidido se tornar uma escritora profissional.

História da minha vida, que acaba de ser lançado pela Editora Unesp, com tradução de Marcio Honorio De Godoy e organização de Magali Oliveira Fernandes, é uma das obras mais importantes da autora. Continue lendo

Send to Kindle